Foi no Estádio da Luz, imediatamente antes de um golo do Benfica, que José recebeu a notícia, embora tivesse demorado algum tempo a assimilar o que a esposa lhe estava a dizer, uma vez que estava empenhado em perceber se a bola, que corria perigosamente em direcção à baliza adversária, ia entrar ou não.
- José...
- Espera, filha, agora não, que o Gaitán está doido! - e já José flectia as pernas no betão do Piso 3, como se os joelhos também se estivessem preparando para a festa.
- José, olha para mim! - Maria agarrou-lhe no queixo, virou-o do relvado para a sua cara, os olhos de José ainda com imagens da bola em movimento, e disse:
- Estou grávida!
Mal a palavra ecoou nas bancadas, em todo o Estádio ouviu-se um estrondoso ecoar: goooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooolo!
O José e a Maria olharam os dois para a bancada, depois para a baliza, depois para a bola, depois para os jogadores, depois um para o outro e, abraçados e aos saltos, comemoraram juntos os dois golos: um do Benfica, o outro só deles. Estavam inaugurados o marcador e a vida.
Nos 9 meses que se seguiriam a esse momento, José e Maria veriam mais 27 vezes a equipa de futebol, 5 a de Andebol, 10 a de Basquetebol, iriam 13 vezes ver o Benfica fora, entre pavilhões e estádios dos adversários - tudo isto sabiam e calculavam porque religiosamente guardavam os bilhetes e um calendário que lhes contava o histórico da aventura gloriosa.
Os fins-de-semana não tinham segredos: na Sexta preparar os jogos que queriam ver, cozinhar repasto no caso de irem acompanhar o clube para fora de Lisboa, e ter sempre lavados, engomadinhos e cheirosos os cachecóis, as bandeiras, os barretes, as tarjas, as t-shirts e o galhardete da sorte (de um Benfica-Milan que o Pai de José lhe trouxera de Viena em 90 - recordação de um jogo azarado que José, sempre optimista, transformara no seu amuleto muito especial). Depois era seguir viagem, colocar os cachecóis apertados nos vidros do carro, acenar aos benfiquistas pelas estradas do país, chegar e apoiar, gritar e cantar pelo Benfica; no fim, com a vitória (quase sempre) ou com a derrota (quase nunca) nos bolsos, voltar a casa e dormir umas horas, que no outro dia há sempre mais vida à espera.
Passaram-se assim as semanas, umas atrás das outras - aos Sábados e Domingos, só dava Benfica; durante a semana, também, embora houvesse um emprego que havia de ser cumprido de forma a poder acompanhar o Benfica para aqui e para ali, para ali e para aqui, e um rebento à espera dentro da barriga de Maria que havia de ter de comer, mal nascesse para o mundo.
E o mundo está precisamente hoje à espera que Maria dê à Luz mais um benfiquista - ou será uma benfiquista? Não sabemos. Nem nós nem os Pais, que decidiram que a melhor prenda que podiam ter era a surpresa de só saberem se era menino ou menina quando o bebé desatasse aos berros de espanto pela vida. Por falar em berros, onde anda José, que não está aqui a acompanhar a extraordinária sessão vocal de Maria, que mais parece cantora de ópera?
Saímos da sala de parto, abrimos a porta, percorremos o corredor, cruzamo-nos com dois enfermeiros, um doente na maca junto à parede lateral, entramos na casa-de-banho. Eis José, em suores frios, de cabeça enfiada nos joelhos, em rezas desconexas, em cânticos estranhos, agarrado ao galhardete do Benfica. Sopramos-lhe ao ouvido:
- Está quase. Vai ter com a Maria, Campeão!
Apesar de não ter a capacidade de ouvir os apelos literários do narrador, José parece que ganhou forças inesperadas e já se dirigiu para junto de Maria. Menos mal, que a gritaria lá dentro está impossível. É agora o tempo do nosso herói ser herói e ajudar à grande aventura do bebé glorioso desde as sombrias marés da fecundação até aos ventos fortes da existência. Até ao limite da superação e da glória. Até à glorio...
- Já está!
Sem tempo para mais dissertações, o grito foi dado! Primeiro do bebé, depois do Pai José! A Mãe só sorri, entre o cansaço, o desfalecimento e a mais pura alegria. O Pai só diz, como se estivesse relatando algum golo:
- Já está! Já lá mo-ra! Já está! Já lá mora!
E anda nisto há um minuto, desvairado às correrias pelo quarto, o bebé ainda nas mãos do médico, a Mãe agora gargalhando de loucura por ver a loucura do José, a cara do bebé incrédula perante tudo aquilo, mas talvez já com um esgar de sorriso na cara, antevendo futuras comemorações. O corpo todo em sangue, de um vermelho-vida, gloriosa vida, sangue de vida, sangue à Benfica.
Maria pede que lhe digam o sexo do bebé. José tapa a boca do médico, quer ser ele a dizer. Faz um compasso de espera, olha para Maria, sorri, olha para o bebé, (parece que está a preparar a marcação de um livre directo), dá uma festinha no rebento, olha para Maria, e cheio de ternura nos olhos, no coração e na alma, diz:
- É uma menina, minha querida. É uma menina benfiquista.
A Mãe recebe a menina nos braços, já esquecida das dores, dos gritos, das lamúrias e dos ataques de fúria. O bebé acalmou-lhe o corpo todo. A alegria inundou os lugares do medo, espalhou-se em torrente larga pelas veias, pelos sulcos da alma, pelos rios do cérebro, pela correnteza dos olhos. Maria chora de uma felicidade nunca antes sentida, como se repetisse a primeira felicidade do primeiro ser na Terra. Só amor, amor em forma e fórmula pura. Amor sem mais nada: amor amor.
José está comovido a olhar as duas benfiquistas abraçadas num só abraço; pensa que vai sentir muitas vezes a falta daquele momento que agora está a acontecer. De repente, já imagina a filha e a mãe no Estádio, a comemorar golos; a mãe e a filha na praia, rindo, jogando às cartas, cantando no carro, despedindo-se no primeiro dia de faculdade. Poderia ficar assim uma vida inteira e ainda mais um bocadinho, mas lembrou-se agora de que tem de avisar o amigo que está no Estádio da Luz à espera para inscrever o bebé como sócio do Sport Lisboa e Benfica.
- António, já podes inscrever a miúda! VIVÓ BENFICA!
E foi assim que, às 19:04 deste dia que é um dia cheio de mística, o Benfica viu nascer mais uma associada e o Hospital da Luz assistiu ao vivo ao nascimento de mais um membro da nossa família. Vimos, de perto, o primeiro choro (ou o primeiro grito de golo?) do primeiro minuto de vida de Maria Papoila. Maria, da parte da Mãe; Papoila, da parte do Glorioso.
- José...
- Espera, filha, agora não, que o Gaitán está doido! - e já José flectia as pernas no betão do Piso 3, como se os joelhos também se estivessem preparando para a festa.
- José, olha para mim! - Maria agarrou-lhe no queixo, virou-o do relvado para a sua cara, os olhos de José ainda com imagens da bola em movimento, e disse:
- Estou grávida!
Mal a palavra ecoou nas bancadas, em todo o Estádio ouviu-se um estrondoso ecoar: goooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooolo!
O José e a Maria olharam os dois para a bancada, depois para a baliza, depois para a bola, depois para os jogadores, depois um para o outro e, abraçados e aos saltos, comemoraram juntos os dois golos: um do Benfica, o outro só deles. Estavam inaugurados o marcador e a vida.
Nos 9 meses que se seguiriam a esse momento, José e Maria veriam mais 27 vezes a equipa de futebol, 5 a de Andebol, 10 a de Basquetebol, iriam 13 vezes ver o Benfica fora, entre pavilhões e estádios dos adversários - tudo isto sabiam e calculavam porque religiosamente guardavam os bilhetes e um calendário que lhes contava o histórico da aventura gloriosa.
Os fins-de-semana não tinham segredos: na Sexta preparar os jogos que queriam ver, cozinhar repasto no caso de irem acompanhar o clube para fora de Lisboa, e ter sempre lavados, engomadinhos e cheirosos os cachecóis, as bandeiras, os barretes, as tarjas, as t-shirts e o galhardete da sorte (de um Benfica-Milan que o Pai de José lhe trouxera de Viena em 90 - recordação de um jogo azarado que José, sempre optimista, transformara no seu amuleto muito especial). Depois era seguir viagem, colocar os cachecóis apertados nos vidros do carro, acenar aos benfiquistas pelas estradas do país, chegar e apoiar, gritar e cantar pelo Benfica; no fim, com a vitória (quase sempre) ou com a derrota (quase nunca) nos bolsos, voltar a casa e dormir umas horas, que no outro dia há sempre mais vida à espera.
Passaram-se assim as semanas, umas atrás das outras - aos Sábados e Domingos, só dava Benfica; durante a semana, também, embora houvesse um emprego que havia de ser cumprido de forma a poder acompanhar o Benfica para aqui e para ali, para ali e para aqui, e um rebento à espera dentro da barriga de Maria que havia de ter de comer, mal nascesse para o mundo.
E o mundo está precisamente hoje à espera que Maria dê à Luz mais um benfiquista - ou será uma benfiquista? Não sabemos. Nem nós nem os Pais, que decidiram que a melhor prenda que podiam ter era a surpresa de só saberem se era menino ou menina quando o bebé desatasse aos berros de espanto pela vida. Por falar em berros, onde anda José, que não está aqui a acompanhar a extraordinária sessão vocal de Maria, que mais parece cantora de ópera?
Saímos da sala de parto, abrimos a porta, percorremos o corredor, cruzamo-nos com dois enfermeiros, um doente na maca junto à parede lateral, entramos na casa-de-banho. Eis José, em suores frios, de cabeça enfiada nos joelhos, em rezas desconexas, em cânticos estranhos, agarrado ao galhardete do Benfica. Sopramos-lhe ao ouvido:
- Está quase. Vai ter com a Maria, Campeão!
Apesar de não ter a capacidade de ouvir os apelos literários do narrador, José parece que ganhou forças inesperadas e já se dirigiu para junto de Maria. Menos mal, que a gritaria lá dentro está impossível. É agora o tempo do nosso herói ser herói e ajudar à grande aventura do bebé glorioso desde as sombrias marés da fecundação até aos ventos fortes da existência. Até ao limite da superação e da glória. Até à glorio...
- Já está!
Sem tempo para mais dissertações, o grito foi dado! Primeiro do bebé, depois do Pai José! A Mãe só sorri, entre o cansaço, o desfalecimento e a mais pura alegria. O Pai só diz, como se estivesse relatando algum golo:
- Já está! Já lá mo-ra! Já está! Já lá mora!
E anda nisto há um minuto, desvairado às correrias pelo quarto, o bebé ainda nas mãos do médico, a Mãe agora gargalhando de loucura por ver a loucura do José, a cara do bebé incrédula perante tudo aquilo, mas talvez já com um esgar de sorriso na cara, antevendo futuras comemorações. O corpo todo em sangue, de um vermelho-vida, gloriosa vida, sangue de vida, sangue à Benfica.
Maria pede que lhe digam o sexo do bebé. José tapa a boca do médico, quer ser ele a dizer. Faz um compasso de espera, olha para Maria, sorri, olha para o bebé, (parece que está a preparar a marcação de um livre directo), dá uma festinha no rebento, olha para Maria, e cheio de ternura nos olhos, no coração e na alma, diz:
- É uma menina, minha querida. É uma menina benfiquista.
A Mãe recebe a menina nos braços, já esquecida das dores, dos gritos, das lamúrias e dos ataques de fúria. O bebé acalmou-lhe o corpo todo. A alegria inundou os lugares do medo, espalhou-se em torrente larga pelas veias, pelos sulcos da alma, pelos rios do cérebro, pela correnteza dos olhos. Maria chora de uma felicidade nunca antes sentida, como se repetisse a primeira felicidade do primeiro ser na Terra. Só amor, amor em forma e fórmula pura. Amor sem mais nada: amor amor.
José está comovido a olhar as duas benfiquistas abraçadas num só abraço; pensa que vai sentir muitas vezes a falta daquele momento que agora está a acontecer. De repente, já imagina a filha e a mãe no Estádio, a comemorar golos; a mãe e a filha na praia, rindo, jogando às cartas, cantando no carro, despedindo-se no primeiro dia de faculdade. Poderia ficar assim uma vida inteira e ainda mais um bocadinho, mas lembrou-se agora de que tem de avisar o amigo que está no Estádio da Luz à espera para inscrever o bebé como sócio do Sport Lisboa e Benfica.
- António, já podes inscrever a miúda! VIVÓ BENFICA!
E foi assim que, às 19:04 deste dia que é um dia cheio de mística, o Benfica viu nascer mais uma associada e o Hospital da Luz assistiu ao vivo ao nascimento de mais um membro da nossa família. Vimos, de perto, o primeiro choro (ou o primeiro grito de golo?) do primeiro minuto de vida de Maria Papoila. Maria, da parte da Mãe; Papoila, da parte do Glorioso.
1 comentário:
Muito bom. Até arrepia.
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