terça-feira, 28 de outubro de 2008

A puta da simetria OU serei obsessivo-compulsivo?

Serei, mas não estamos aqui para falar de mim. Falo de uma lista infindável de seres que de alguma forma têm as suas existências ligadas ao futebol. Do mais simples e dedicado jogador de CM ao mais reconhecido treinador de topo num campeonato de ultra-qualidade europeia há uma característica que parece ser transversal e comum: a puta da simetria na hora de pensar no posicionamento dos jogadores em campo - há excepções, como o Cajuda, o Luís Campos ou o treinador do Monte Abraão mas esses não entram nestas contas porque eu não quero. Se eu ando por ali a contratar e a dispensar jogadores, a ver de bípedes que me proporcionem fantásticas épocas na segunda divisão regional no Abrantes, isso é irrelevante; a verdade e a relevância vão todas para aquele momento em que me deparo com o rectângulo verde e começo a escolher jogadores. Depois de escolhidos, a regra impõe-se-me como se não pudesse viver sem aquelas setas ridículas (eu acredito mesmo que se puser o lateral a subir até à zona dos stewards, o gajo vai fazer cruzamentos e remates do melhorzinho que o CM alguma vez já viu) e aquela filha da puta da simetria começa aos gritinhos, histérica, como que insinuando que sem ela eu vou perder os jogos todos. No futebol profissional acontece o mesmo. O treinador quando está no balneário em prelecções interessantíssimas sobre as basculações, os triângulos invertidos e as pressões altas, não perde a oportunidade de realizar a sua mais veemente fantasia: colocar num quadro as posições dos jogadores que ele quer ver preenchidas, enquanto eles coçam os tomates ou lêem o Financial Times e discorrem sobre a problemática financeira actual e como isso influi nas suas contas pornográficas no final do mês - alguns, por exemplo, não poderão comprar o novo Bugatti nos próximos minutos, o que é, está bem de ver, uma chatice das grandes. Há em cada técnico a cuequinha molhada da simetria em campo. Se na direita o mister tem um gajo que pode fazer a ala com mais interioridade e menos profundidade, avança logo o treinador para outra solução porque, sejamos sérios, uma equipa sem simetria não funciona e lá entra o gajo que é mau mas que fornece ao quadro a giz aquela perfeição de olhar, aquele quadro organizado e feliz que se define por ver dois extremos tão bonitos encostados na ala, dois médios no miolo, juntinhos, à mesma distância do "10" e lá na frente, claro e simétrico, curtando ângulos iguais para os extremos, para o médio ofensivo e para a baliza adversária, o ponta-de-lança.
Tudo isto a propósito, já compreenderam, do Benfica. Andava a ruminar sobre o nosso 11 e deparei-me com problema antigo: aquele caralho daquele jogador que nos falta e que tem de jogar na direita do meio-campo. Está mais que visto, revisto, estudado, pensado e leccionado em Harvard que o Benfica não pode jogar com um Reyes 2 na ala direita. Concluída esta aprendizagem (que Quique demorou a apreender), uma nova disciplina intromete-se: que tipo de jogador pode completar na perfeição, simultaneamente equilibrando a equipa nos processos defensivos e dando profundidade ofensiva, a táctica de pirilau do espanhol? Eu respondo: um tipo de jogador que seja a antítese de Reyes, embora possa ser Reyes naquilo que em Reyes há de muito bom. Eu diria, assim de repente e completamente em delírios masturbatórios: um Simão!, um gajo que ajudasse esta besta mitológica que é o Maxi Pereira, que fizesse diagonais a cada 2,34 segundos de cada partida, que rematasse como vem nos livros, que fizesse cruzamentos como quem lê um poema e que, em transições defensivas, soubesse "fechar" muitas vezes ao meio, em ajuda aos dois médios do miolo. Se isto fosse o CM, lá entrávamos nós na aventura de ir à procura de um gajo desses; na vida real, sempre menos efusiva e espectacular, temos o Balboa, essa espécie de jogador que nem é jogador nem é de espécie alguma. Mas há algo nele que entusiasma: dá simetria ao esquema! com Reyes na esquerda, Katsouranis e Yebda no meio, Martins a médio ofensivo, um Balboa traz toda uma panóplia orgástica ao conceito de simetria - basta colocá-lo na direita, com uma setinha para cima e temos o esquema mais bonito da Liga Sagres! O problema, e há sempre problemas nestas coisas, é que o Balboa é uma nulidade como extremo-direito. Dirão: mas o que é que isso interessa, Ricardo, se podemos construir a mais bela arquitectura posicional que a história do Benfica já conseguiu? Direi: vão para a puta que vos pariu, o Balboa ali nem que a vaca tussa! A simetria perde, é bem verdade, mas sempre dá para ganharmos jogos, o que até vai sendo engraçado.
No entanto, não pensem que sou o típico benfiquista que votou o flop do ano ao insucesso, apenas dizendo mal e "queimando" o jogador. Nada disso. Tenho a solução que ninguém ainda sequer pensou e que parece ser de uma genialidade assinalável, até para mim que, como se sabe, sou um gajo capaz de fazer do Vila Franca um clube semi-finalista da Champions League. Pensem só nisto e atentem na capacidade Chalanística que eu demonstro: Balboa a lateral-direito! Por um lado, tínhamos um preto na direita da defesa, o que seria a sequência lógica de um historial recente com laterais de tez mais escura: de um tímido Armando, passando por um eléctrico Miguel a um bipolar Nélson, chegaríamos à síntese de todos, sem perder a cor nem a vivacidade requeridas para um lugar desta importância; depois, já se percebeu que o ex-Madrid é melhor a defender do que a atacar e que, se há esperança para a vertente ofensiva do homem, ela estará na disponibilidade de aparecer de trás e não tão junto à zona ofensiva. A velocidade, a propensão para o drible q.b. e o cabelo fariam o resto. E matem-me se isto for mentira: qualquer gajo do plantel faz melhor do que o Maxi Pereira naquele lugar. Mas eu sou obsessivo-compulsivo e não estamos aqui para falar de mim.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Hertha 1 – 1 SLB

Antes de tudo mais:

  1.  Acho estúpido perder a fé num treinador em Outubro. Ainda mais estúpido o é na actual conjuntura benfiquista, em que é imperativo crescer, deixar de voltar repetidamente à estaca zero.
  2. Vi este jogo na área de serviço de Aveiras, no regresso do emprego.

Sento-me à mesa. Bom lugar. A televisão tem som alto. Estou próximo q.b. Ok.

O Jornalista lê a ficha de jogo. Comento, mentalmente, com o outro adepto benfiquista que tenho dentro de mim e vê todos os jogos comigo: “Este 4-4-2 do Quique não soa um bocadinho anacrónico? Sei lá, pouco sofisticado; como que saído dos anos oitenta. Parece que hoje em dia, a ser 4-4-2, é sempre qualquer coisa com uma figura geométrica não-rectangular incorporada (tipo losango)?”.

Olha! Na transmissão dizem que joga o Binya e não o Yebda. “Quique! Não! Quique, não! O Binya não… Chiça penico. Ainda para mais com este 4-4-2. Epá, então mais vale tirar um dos avançados e pôr o Carlos Martins. Sempre compensa. Sempre ficam 2 gajos no miolo a saber o que é uma bola. Quique! Nãoooooo!

O jogo começa.

(A meio do 1º tempo) – Pois e tal que o Cardozo é um grande valor. Grande pé esquerdo. Sim… Mas olha lá: O gajo é pastelão como o camandro, mas à força toda…e fino, também! O gajo não curte muito disputar bolas, e quando o faz fá-lo sempre com visível enfado. E com o insucesso daí decorrente. E depois há aquele talento indiscutível, que partilha com o Nuno Gomes, de estar sempre exactamente no sítio para onde o GR não chutou, ou o defesa, ou mesmo para onde o ressalto quis que a bola não fosse. E quando vai na direcção dele (ou do NG), bate ligeiramente à frente dele e passa-lhe por cima. Lindo!

Minuto 39 – Bynia acerta um passe a 3 metros, apesar de o companheiro não conseguir dominar o esférico à primeira.

Minuto 41 – Binya tenta receber uma bola, escapasse-lhe e acaba por ir parar aos pés de um jogador do Benfica.

Intervalo – Estes gajos são fraquinhos, equipa macia. Estaria tão ao nosso alcance…

2ª Parte – Suazo por Cardozo. Obrigado.

Existe uma desalentada resignação (futebolística) quando, após 45 minutos de Binya, o vemos voltar a subir ao relvado. Só experimento sensação igual naquelas noites em que, já bem tarde, e com uma fome descomunal, se olha para aquele pacote de bolachas manhosas e bafientas, que resistiram à última década fechadas num pote na despensa, e se resolve comer aquilo, sem água sem nada, que só há da torneira e sabe a lixívia.

O jogo recomeça. Suazo, de facto, é outra coisa.

Minuto 51 – Golo de Di Maria (exibição inconsequente, até aqui e até final). Ia falhando... Mas isto está bom…podemos marcar mais destes, em contra-ataque. Reyes ou Suazo vão fazer estragos. Quiçá o Nuno.

Minuto 66 – Carlos Martins junto à linha lateral. Boa! Vamos tratar de ter mais bola que isto está a começar a escapar. Fortalecer o meio-campo, gosto…Carlos Martins por Katsouranis. Não! Quique, não! Isso não. Não Quique! Tira o NG, o Reyes, o Di Maria…Porra, tira o Suazo…o Katsouranis não! Não é por ele! É que Binya e Carlos Martins sozinhos aí no meio…não pá! Não Quique!

Minuto 74 - …

Fim do Jogo. Punheta! 17º Jogo em território Germânico sem ganhar…e este esteve bem ao alcance. Levanto-me. Vou à casa de banho. Passagem pelo urinol, lavar as mãos…Sabonete, carregar no botão, água e upa…fechou-se. Carrego no botão e menos de um segundo depois a torneira volta a secar. Agora pressiono o botão durante alguns instantes…largo e…foda-se…a úlcera que terei aos 40 dá os primeiros passos…então mas a puta da torneira não se mantém aberta? Vou ter que lavar as mãos vez à vez? Suspiro…

Eu tenho um sonho…Eu sonho com dia em que a civilização humana, mais evoluída e cultivada, se reúna em torno de si mesma, e do mais singelo dos consensos surja a convicção plena de que um ser humano qualquer, a uma distância de uma simples casa de banho pública, possa ter uma torneira, com um manípulo para a abrir e a fechar…a seu belo prazer! AH! E QUE A NOSSA EQUIPA FAÇA SENTIDO…TAMBÉM SONHO COM ISSO!

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

"O Burro"

Antes de começarem a refilar (os nossos 3 leitores podem tornar-se agressivos de vez em quando), aviso já que este post não é sobre o Benfica, e é sobre um ódio de estimação de alguns, mas um ídolo meu. É sobre um treinador, mais conhecido como o "burro", que nunca se vai livrar da fama de ser um brazuca que não percebe nada de futebol, e que só vai ganhando alguma coisa porque é bom na motivação, tem sorte, e tem uma santa protectora. Ora, concluída que está a primeira dúzia de jogos no Chelsea, são estes os números de Scolari:

- 12 jogos, 9 vitórias e 3 empates, 28 golos marcados e 3 sofridos!!!
- Liderança na Premier e no grupo da Champions

Podem dizer, "no Chelsea também eu", mas lembro que isto foi obtido quase sem Drogba, quase sem Essien, e ainda com lesões em Joe e Ashley Cole, Ricardo Carvalho, Ballack e Deco, obrigando a dar minutos ao Di Santo e a fazer de Belletti um médio bem razoável.

Uns pedem tempo, outros conquistam-no...

P.S. - Este post é oportuno por 2 razões: primeiro o Benfica joga hoje, pelo que logo à noite isto já deve ter descido na página. Segundo o Chelsea joga este fim de semana com o Liverpool e o registo pode piorar. Mas fique bem claro, acredito que Scolari vai limpar os reds, pena não ter lá o Simão para ajudar!!!

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Prémio Cepo da História do Benfica

À pergunta "Quem é o maior cepo da História do Benfica?" os nossos estimados visitantes responderam assim:

- King - 4 votos (12 %)
- Manuel Damásio - 6 votos (18 %)
- Artur Jorge - 19 votos (57 %)
- Pinto da Costa - 4 votos (12 %)

Ganhou o suspeito do costume, nada de novo. Enquanto alguns preferiram esquecer dirigentes e técnicos e dedicar o seu voto aos que, de facto, chutam (no caso do King, tentam chutar) a bola, outros - a grande maioria - optaram por apontar chumbadas aos que decidem por fora. Se, para mim, a fraca votação em Damásio constitui alguma surpresa, visto ser este, aos meus olhos, o responsável máximo da degradação pós-94 do nosso clube (ainda mais do que Artur Jorge, sim), já a votação em Pinto da Costa, entre a ironia, o humor e, talvez, a luta pela verdade desportiva, está nos valores esperados.
O prémio fica, assim, atribuído ao "coisas bonitas" e também está muito bem. Ainda que custe a muitos, a verdade é que há uma grande parte dos benfiquistas que inveja o leão Sá Pinto. Eu invejo.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Nightmare...

Caros leitores (partindo do princípio que temos),

Era para escrever sobre o jogo(?!) de ontem, mas como não sei se o site é só para maiores de 18, e também não sei como pôr bolinha no canto superior direito do ecrã, é melhor não.

No entanto, tenho de deixar uma palavrinha para o regresso do "meu" nº1:
Obrigado Moreira, espero que tenha sido a primeira de muitas titularidades!!!

sábado, 18 de outubro de 2008

(Chego um pouco atrasado – tive uma mialgia de esforço e passei a semana em trabalho de ginásio, só ontem comecei a fazer corrida – será recorrente, primazia ao fim de semana para, domingo a domingo, dar o meu melhor de mim em prol da equipa!)

Bom… - pega numa mini Sagres e gira os dedos em torno do gargalo, introduz o polegar na garrafa, roda novamente e retira-o produzindo um som tamponado. Finalizado o ritual com resultados satisfatórios, dá dois goles consecutivos e arrebanha alguns amendoins da taça ao centro da mesa. – Bom, junto-me aos escribas aqui ao lado embriagado pelo benfiquismo com que começamos; é galvanizante e sabe bem. Está-se bem aqui! Venho para ficar, Benficar.

Sou um benfiquista autodidacta. O meu pai não gostava de futebol, nunca me levou à bola. Mas havia qualquer coisa. Tenho a perfeita noção da cor preferida ser o vermelho, bem cedo. Deve ter havido influências externas, admito, mas conservo a firme convicção que era inevitável, que não poderia ser de outra forma! Encontrei o Benfica, ou o Benfica encontrou-me, e começou essa viagem que a partir de agora partilharei, o mais possível (na medida certa?), convosco. Parte da viagem já foi partilhada com o Ricardo, o bípede com quem mais discuti o Benfica (basta dizer que fui pela primeira vez ao estádio – o antigo – com ele e com o pai dele, que não bastando ter iniciado o filho a ver o Benfas fez o mesmo pelo filho do próximo, há que realçar a nobreza da acção!). Hoje orgulho-me do telefonema que o meu pai me faz após os jogos do Glorioso, para dividir a desilusão ou partilhar a ilusão feita de fintas e golos de encher o olho – é fã daquele espanhol, o Reyes – “o tipo tem um bom remate!”.

Fica o compromisso de seguir o trajecto Encarnado de perto, ensaiando umas análises à Luís Freitas Lobo… – Olha o gajo, já armado ao pingarelho! Não, não é nada disso, é uma maneira de dizer. Eu quando tentei triplo salto também o fiz à Nelson Évora, enchi o peito, inclinei as costas para trás e corri, corri, saltei e aterrei três passadas depois e a 3,47m da tábua, apesar de não ter conseguido homologar o resultado. É que o meu vizinho da frente disse que o vento estava a favor e acima da velocidade regulamentar. Foi pena.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

O meu primeiro post

Hello blogosfera!!!

Fica bem um gajo apresentar-se no primeiro post, certo? Então cá vai disto:

Sou o Americano, um maluco que o Ricardo conheceu na blogosfera, e que resolveu convidar (provavelmente sob o efeito de álcool ou drogas) para contribuir para este blog, que como é óbvio se vai dedicar muito ao GRANDE, ENORME E GLORIOSO BENFICA!
Resolvi escrever já porque daqui a pouco joga a Portugal, e não me quero desconcentrar...

Como disse sou “o” Americano, benfiquista fanático, sócio, accionista (comprei 100 contos de acções numa altura em que o meu ordenado era 80 contos!) e dono dum cativo desde que existe a nova Luz. Curiosamente não nasci benfiquista, até porque nasci nos EUA, e quando cheguei cá em 85 nem sabia o que era futebol. Felizmente tenho um primo mais velho que me explicou rapidamente que aqui não havia football, basketball, ou baseball, apenas o nosso futebol e que acima do futebol estava o nosso Benfica. Era daqueles que tinha o quarto cheio de posters daqueles jogadores que na altura me pareciam um bando de labregos de bigodaça, mas que rapidamente aprendi serem símbolos do maior clube do Mundo. Interiorizei os ensinamentos, e por ironia do destino ele foi viver mais tarde para os EUA, mas eu por cá fiquei para dar continuidade ao legado da família.

Para finalizar, aviso novamente que sou fanático benfiquista, por isso se de vez em quando for algo rude na defesa das minhas posições, não levem a mal, o Benfica liberta o melhor e o pior que há em mim. Prometo que a partir de agora só voltarei a escrever quando houver algo de jeito para comentar, espero que seja para comentar as centenas, milhares de vitórias que o nosso clube nos vai proporcionar.

Saudações benfiquistas!!!

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Nome de número

Hoje fiz-me sócio do Benfica. Comprei o kit, preenchi o formulário, entreguei uma foto e a fotocópia da minha identidade de bípede benfiquista (ainda continuo sem compreender como é que o BI não possui um espaço em que possamos dizer que somos do Benfica) e, antes de respirar duas vezes, lá estava a minha cara num cartão vermelho. Uma delícia. Sou o 187.955, número tremendamente superior (mais do dobro, bem mais) ao que tive entre os meus 3 e 15 anos. Na altura, eu era um benfiquista que ia de mão dada com o pai e via, 4 horas antes do jogo, gente a beber garrafões de 5 litros de vinho, a comer feijoada, cozidos à portuguesa e pães com presunto dentro do estádio. A ida a um jogo do Benfica não era como agora, em que se chega 5 minutos antes da bola começar a rolar: era como uma peregrinação a um santuário. Começava na estrada, em que os 150 km de Abrantes a Lisboa eram festejados com cachecóis apertados entre os vidros das janelas do carro e sinfonias de buzinadelas, sempre que alguém ao nosso lado fazia a sua viagem religiosa da mesma forma e com o mesmo sentimento. Acho que começou aí (antes ainda de me espantar pela primeira vez com um gigante de betão onde cabiam 130.000 pessoas) o fascínio por esta espécie de seita que ninguém consegue explicar. É impossível provar, cientificamente, a razão de ser de ser-se benfiquista. Talvez procurar nessa empatia de ver milhares de pessoas dentro de carros, felizes e sorrindo-nos, como se fôssemos seus irmãos, talvez encontrar num grito milenar a céu e sol abertos, coroando 11 indivíduos de vermelho que entravam no relvado, entre sons, buzinas, cores, fumos, papéis e sol, muito sol, sempre. Quando a equipa do Benfica entrava no tapete verde, o puto de 10 anos que eu era ficava estarrecido a ouvir o bruááá de pés a chocalhar no betão e de gritos de loucura, quase demencial, que eram todo o ruído que o mundo conseguia ter naqueles minutos. Em 1988, agarraram-me no ar como uma bola, quando um gajo - filho de outro gajo dos nossos - decidia resolver a situação com dois golos e uma ida directa para Estugarda, sem que Bela Guttmann o adivinhasse (e o quisesse?); em 1990, quase me lançaram de felicidade para dentro do relvado, quando um outro dos nossos decidiu que o destino só seria moldado à chapada - uma chapada na bola, a melhor chapada na bola que alguém, algum dia, deu, bem melhor do que o toque paneleiro do Maradona. Não, não foram estes os melhores momentos, porque todos eles faziam nascer em mim a certeza de pertencer a algo grandioso que eu não sabia descrever. O orgulho de levar relva para a escola no dia a seguir ao campeonato de 94; a vez em que, sob um sol aterrador, alguém decidiu ganhar meio metro de cimento aos rabos que se amontoavam e comprimiam, só para que eu me deitasse ("abram alas para o miúdo, pá, não vêem que o puto está mal-disposto?", consigo ainda ouvir nos ecos abertos de uma memória de um estádio que não desaparece). Ser do Benfica não requer um cartão nem uma identidade mas, confesso, hoje senti-me de regresso à minha natural condição. Como se me tivesse traído estes 12 anos por não ter a minha cara associada à palavra "sócio". O meu nome é 187955.