"O resultado é óbvio: 5-1 para o Barcelona. Dois de Iniesta, dois de Messi e um na própria baliza do Pepe. O Real marca por Xabi Alonso.
Mourinho expulso, Guardiola tranquilo junto ao banco, mas com aquele sorriso a querer ganhar vida.
O Barça hoje vai dar um festival."
Escrevi isto hoje à tarde num blogue. Não de forma gratuita mas - e ao contrário da generalidade das várias opiniões que li e que defendiam um prognóstico de resultado equilibrado - porque, de facto, este jogo tinha uma boa probabilidade de acabar desta forma. O Barcelona não só é fortíssimo como equipa como o é ainda mais em casa e, mais importante, em jogos contra equipas de grande valia e que arriscam na forma como encaram o jogo. Quando esse adversário se chama Real Madrid, escusamos de falar na motivação extra que os catalães têm para um jogo deste tipo. Quando o treinador do Real Madrid se chama Mourinho e é o responsável pela eliminação do Barça na Champions do ano passado, é de mais motivação ainda, se é possível, que falamos e pensamos. Falamos numa super-equipa, extremamente motivada para vencer o adversário (por razões desportivas mas também culturais), que, é bom não esquecer, tem rotinas consolidadas ao longos de vários anos, ao contrário do Real Madrid.
Não era, pois, algo de estapafúrdio prognosticar uma goleada culé - ainda que não tenhamos visto (eu, pelo menos, não vi) gente a fazê-lo. E é isto que espanta e é isto que não faz sentido. A lição futebolística que o Barcelona deu hoje ao Real não é nenhuma surpresa e devia, portanto, ser expectável por quem analisa o futebol a um nível, digamos, profissional. Mas não. Ao ouvir as barbaridades dos comentadores da SportTv (na segunda parte; na primeira o stream deixou-me ter o prazer orgástico de ouvir os argentinos da ESPN; que génios da análise da bola!), ficamos com a sensação que esta gente, primeiro, nunca jogou futebol, segundo, nunca viu futebol, terceiro, nunca gostou de futebol e, quarto e mais importante, não merece falar disto que a todos apaixona e move. Em contraposição, como referi, ouvir os argentinos - um deles o autor daquela peça genial sobre Aimar e Saviola que há uns tempos coloquei aqui no blogue - é conhecer mais do jogo, é conhecer tudo do jogo, é amar ainda mais, se é possível e é!, esta coisa que passa por descobrir uma forma de, em dança, levarmos uma pérola até ao reduto último do adversário. O Barcelona ganhou, goleou e, muito mais do que isso, o Barcelona provou (pela centésima vez) que a inteligência ao serviço do jogo, o talento ao serviço do jogo, a rapidez de raciocínio ao serviço do jogo são absurdamente mais importantes do que as questões atléticas e até tácticas (se as entendermos como meras leituras estanques do posicionamento em campo). Esta gente - Xavi, Iniesta, Pedro, Villa, Messi, Bojan, Jeffren - tem altura para caber naquelas casas ancestrais, da Idade Média, que vemos em ruínas nas aldeias deste país. Estes anões, se os víssemos na rua, não nos pareceriam jogadores modernos, estrelas, vendedores de produtos de beleza. Apenas e só homens, vestidos sobriamente, entre uns treinos e uns jogos. Depois, em campo, gigantes do pensamento veloz e da técnica sublime, Deuses nos quais colocaram, como chip divino, todas as jogadas imagináveis e imaginadas por todas as crianças num pelado deste Mundo. Eles concretizam o que nos sonhou.
Ainda sobre este recital, dizer que:
- o Busquets fez um jogo perfeito. Não só é, do ponto de vista posicional, o melhor médio defensivo da actualidade, como não é médio defensivo nenhum. É médio, ponto. A forma como evolui no campo, deixando a que à partida seria a sua zona de acção, para interceptar passes e antecipar o que o adversário vai fazer, só é possível pela sua qualidade inegável mas porque a equipa é toda ela uma harmonia de jogos de compensações e conhecimento mútuo.
- a pressão que o Barcelona faz atinge, em vários momentos do jogo e contra equipas como o Real Madrid (que é constituída por cepos, claro), a perfeição. Mas o que assusta de tão genial e intenso nem é a pressão à saída do jogo organizado do adversário mas a capacidade de pressing que exerce um milionésimo de segundo depois da perda. É sufocante. É delirante.
- A posse. Tão e tão elogiada que será que vale a pena falar nela? Vale. Sempre. A posse é do estilo da rua, não é dos laboratórios. É lógico que é trabalhada ao extremo mas tem nela, dentro, na origem, o perfume da decisão de um miúdo de rua, entre futeboladas no meio dos estendais de roupa. É arriscada, dirão alguns. Nada mais falso. Esta forma de lidar com a bola, juntamente com a enorme capacidade de passe e recepção dos seus intérpretes e confiança no que o colega vai fazer, é a menos arriscada de todas. Por um simples motivo: é a mais simples. Há um estilo particular de o Barcelona tocar a bola que não se vê em mais equipa nenhuma no Mundo e, no entanto, ao nível da capacidade de desposicionar o adversário é a mais eficaz: um jogador toca a bola para outro, virado e correndo para ele e este que recebe não triangula logo nem passa para outro; toca directo no colega que a passou. Estes dois toques desvirtuam a marcação adversária porque a ilude a pensar que o jogo estagna naqueles dois metros que separam os jogadores catalães. Depois, sim, variantes, bola metida numa ala, bola metida nos centrais, bola vertical para um dos avançados. Tudo gira. E é tão bonito.
- O Villa é daqueles gajos que a gente quer ter se for fazer uma viagem ao Mundo durante dois anos. Fala todas as línguas, sabe que comida as culturas diferentes ingerem, é capaz de sair do seu país, ir viver para o meio dos índios e ser não como eles mas ser eles. Adapta-se de tal forma que devia vir a sua foto como exemplo de que Darwin tinha razão no que dizia.
- Iniesta. Eu não quero morrer sem ver este génio ser considerado o Melhor Jogador do Mundo. No papel. Em campo, para mim, ele já o é há dois milénios.