terça-feira, 22 de março de 2011

Às vezes é crime chamar golo a um golo

Não creio que devamos chamar a isto simplesmente de "golo". Um golo é uma coisa rápida, orgástica, profundamente egoísta, é um tiro e já está, bola na rede, gente aos saltos, pum. Não, isto tem outro nome, um nome que nem sequer foi inventado ainda, mas que se pressente na língua sempre que nos é oferecido este espectáculo de sentidos. Saboreamo-lo, sem lhe conhecer o nome ou as fronteiras do que pode ser. É apenas um destino com rota traçada.

Quando o Javi corta a bola em passe - não um corte, apenas, mas um corte-passe - e o Gaitán prepara-se para tocar de primeira no Aimar, podíamos parar a realidade por um instante, carregar no pause da memória e traçar as linhas do futuro da jogada. Toda ela decomposta desde o momento em que toca no pé do Javi até chegar, redonda, iludida, apaixonada, às redes do outro lado do campo. Podíamos imaginar os seus passos, de jogador para jogador, rolando feliz pelo relvado, solidária, atenta, infinita. É como se tivesse sido a bola a ir ter com os pés do Gaitán, depois empurrando-se contra o veludo do Aimar, aconchegando o peito no Saviola, voltando, porque gosta, aos braços do Aimar, repousando mais, depois fugindo dele para o Gaitán, do Gaitán rapidamente, porque já sentia o anúncio do afago, para o Maxi, rolando, rolando, galgando redonda por sobre a relva, naquela felicidade infantil de não conseguir esperar mais pelas coisas boas, dali para o Cardozo mas rápido que o tempo urge e finalmente entregando-se ao Gaitán, "faz de mim o que queres", extasiando no ar, em suspensão, bailando, vaidosa, conquistando todos os olhares incrédulos e expectantes. Quando ganha gravidade, finalmente curva-se e mergulha para o sonho. É golo, gritam. Mas não é um golo. É mais do isso. É uma viagem de ângulos, um destino de espaços, um rumo de danças. Um mapa de sensações.



Adenda: soube agora da morte do grande sportinguista, cidadão, humanista, jornalista, homem íntegro Artur Agostinho. Para ele, o golo de Gaitán. Que se fosse relatado por ele, teria sido ainda mais belo. Quando encontrares o meu avô, não lhe fales de como está o vosso Sporting. Mente-lhe piedosamente. Falem de mulheres, seus putanheiros!

10 comentários:

Ricardo disse...

Ah só mais uma coisa, mesmo que seja aqui e não no post: adoro a felicidade dos jogadores por terem participado nesta obra-prima. Principalmente do Maxi, parece um miúdo encantado com o brinquedo novo. Aquele sorriso de boca aberta, suspenso, só surpresa e fascínio. É comovente. Gente feliz com lágrimas.

Unknown disse...

Acabo de ter um orgasmo só de ver esta obra de arte... UAUUUUUUUUU

Anónimo disse...

Excelente o texto, lindo o golo e a jogada, um hino ao futebol. Felicidade em estado puro.

MCA

Mr. Shankly disse...

Lindo, lindo.

Diego Armés disse...

Grande post, uma descrição e pêras. E muito boa adenda, embora por tristes razões.

LDP disse...

Por motivos de trabalho fora de casa nao vi nada de futebol nestes dias, e sò soube dos 5-1 hà umas 4 ou 5 horas atràs.

Chego a casa e abro directamente este blog, lendo e deliciando-me com aquele que serà (e é!) o melhor golo marcado em Portugal nesta época.

Obrigado Ricardo e obrigado Benfica.

agent_smith disse...

descrição perfeita do golo, muito, muito bom

Edson Arantes do Nascimento disse...

Óptimo, lindo texto, descrição perfeita, mas o golo... (Jorge) Jesus!

Emocionante.

Anónimo disse...

No dia do Benfica-Porto faz se um apelo a todos os adeptos do SLB para levarem um pano branco ou uma cartolina branca com escrita em azul a palavra “corruptos”.

Éter disse...

Grande texto, Ricardo.