quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Benfica-Sporting: o único jogo pelo qual vale a pena morrer.


Deixemo-nos de merdas: por mais que o Sporting admiravelmente perca jogos e campeonatos uns atrás dos outros e goste de fazer intervalos sabáticos de 18 anos entre títulos nacionais, o jogo dos jogos é o Benfica-Sporting. O Benfica-Porto só é interessante porque explora o lado bondoso e solidário da espécie humana: queremos sempre que o Bem vença o Mal; por isso toda a gente olha para este jogo como se fosse um filme, sempre à espera que o Herói consiga vencer os criminosos e mauzões e no fim leve a miúda para casa. Ninguém morre pelo Benfica-Porto porque o Porto está corrompido, está sujo, tem muitas sombras. Não há nada de mais desinteressante e chato do que um clube cheio de sombras liderado por um beato com problemas psicológicos. O argumento até tinha potencial, mas os actores são medíocres. Ninguém vive pelo Benfica-Porto, ninguém morre pelo Benfica-Porto.

O Benfica-Sporting é outra coisa, é uma obra-prima. O Benfica-Sporting não tem sombras, é honesto, é a campo inteiro, é a céu aberto. O Benfica-Sporting é futebol puro e duro. Rivalidade que corre no sangue de todos os adeptos. É a vida toda desde que nascemos até ao apito inicial que nos inunda. São memórias de jogos antigos, desacatos familiares por uns serem do Sporting e outros do Benfica que acabaram numa guerra com garrafas de vinho pelo chão, pedaços de bacalhau e batatas a murro pelo ar, a avó que se escondia debaixo de uma cadeira, o puto que saltava para cima da televisão e voava para as costas do sportinguista, primo mais afastado que tinha vindo da França para o Natal, e acabou cheio de puré e doce de ovos nos cabelos. Benfica-Sporting é a vida toda com os nossos amigos: as bezanas nos tascos, nos bares, nos casamentos. Nós a gozarmos com eles; eles a serem gozados por nós.

Às vezes o Sporting ganha. Acontece o Sporting ganhar. E então isso também é Benfica-Sporting porque nos mostra, até de forma ternurenta, a alegria do nosso amigo, todo orgulhoso no seu clube. Ou o sorriso da nossa namorada leoa e aquela forma que ela tem de gozar connosco mas sem nos ferir muito porque ela, mais do que ninguém - afinal, é do Sporting! -, também sabe como dói perder estes jogos. O Benfica-Sporting é o Gabriel Alves na televisão e um «oooooooooooooooooooooh» com remates que ora vão para fora ou vão para dentro da baliza do Sporting. O Rui Tovar e o Mário Zambujal a anunciar no Domingo mais uma vitória do Benfica em Alvalade. O resumo a começar com a alegria de um estádio leonino cheio de esperança e a acabar com os jogadores do Benfica a saltar para os adeptos gloriosos e um final de imagem com adeptos sportinguistas a sair do estádio, desolados. Benfica-Sporting é Domingo, é o dia da folga e da festa. O dia da vida toda que se junta para gritar golo.

No trabalho há sempre, junto à máquina do café, no elevador ou entre cigarros, a rivalidade latente. Encontram-se um benfiquista e um sportinguista. A malta consegue passar uns segundos sem falar de bola mas depois, de mansinho, ainda com tons educados e de cordialidade, vai começando a discorrer o seu fanatismo clubístico e acaba tudo a apontar erros arbitrais inqualificáveis e a relembrar goleadas históricas. Se não houver mais argumentos, passa tudo para a batatada, com o Antunes já de gravata vermelha esgroveada e o Serafim todo pintalgado de verde dos tinteiros da impressora. Depois vão calmamente para as suas cadeirinhas em frente ao computador, onde jogam Solitário e ficam a pensar no resultado do Benfica-Sporting.

Não me venham cá com Benfica-Porto quando estou a falar de futebol. Quando falo de rivalidade. Quando o assunto é sério e entre gente séria. O Benfica-Sporting é que é. Nenhum Benfica-Porto consegue transformar uma semana inteira num autêntico festival de preliminares. São 7 dias em que benfiquistas e sportinguistas se lambem, se tocam, se lambuzam todos, se recriam, se provocam, se insultam gentilmente, se odeiam e se amam, se vivem. E aquele ar trocista que também está ansiosos e nervoso. E aquele ar gozão que também tem expectativa e receio dentro. Não medo, nunca medo. Medo não faz parte do Benfica-Sporting. Medo só faz parte do Benfica-Porto porque sabemos que é muito provável que o árbitro nos assuste.

O Benfica-Sporting é uma foda, um orgasmo, um vaivém espacial que vai e vem, que vai e vem, em loop eterno que nunca pára. Há no Benfica-Sporting uma espécie de sentimento de eternidade que só se sente quando estamos a foder. Como se nunca o mundo fosse acabar enquanto as duas equipas estiverem em campo a jogar futebol. E o jogo engravida e nascem golos do Benfica.


4 comentários:

Duarte disse...

Grande texto.
Alguma vez se viu no Dragão um pai do FCP com um filho do SCP ou do SLB, como se vê na Luz ou em Alvalade um pai com um cachecol verde/encarnado e o filho (namorada, mulher, amigo) de cachecol encarnado/verde?
Saudações de um sportinguista.

SportingSempre disse...

O Derby é um gajo sentir-se intrinsecamente superior, mesmo que inexplicavelmente, e até depois de um 3-6 em casa ou de 10 derrotas seguidas.

O Derby é ouvir e ver as claques passar 3 horas antes da bola para Carnide ou Alvalade, enquanto bebe umas frescas para curar a ansiedade.

No Derby cada golo nosso é a rapidinha que imaginávamos com a Adriana Lima.

o secretário do Acosta disse...

Muito bom!

E domingo que ganhe o Sporting!

Anónimo disse...

O que vale é que entre Benfica e Sporting são so cavalheiros.
Veja-se este jogo de Futsal.
So cavalheiros