segunda-feira, 15 de agosto de 2016

O Futebol não cabe no quadrado da Estatística



Actualmente há um fenómeno bizarro no futebol português chamado GoalPoint. É uma empresa que, entre outras coisas, descobre o melhor em campo através de um sistema que soma várias estatísticas: desarmes, antecipações, remates, etc., como se o futebol fosse boxe em que o jogador vai ganhando pontos ao longo do jogo consoante as coisas que faz. No fim, a GoalPoint faz as continhas e lá proclama que certo jogador foi o melhor porque teve 7.9 e o outro a seguir só teve 7.8.

Ora, além de os dados apresentados não nos dizerem nada sobre o jogo (quando me dizem que o Grimaldo rematou 3 vezes, 1 delas enquadrado, o que é que eu fico a saber do jogo com essa informação? Nada, a não ser que o Grimaldo fez 3 remates, 1 delas enquadrado; fez x desarmes ? Que bom, mas em que circunstâncias? Não teria sido melhor manter a posição e não arriscar o desarme? Antecipou-se y vezes? E não terá deixado a equipa desequilibrada? Não sabemos porque do jogo só temos números), este tipo de "ciência" é nefasta porque transmite a falsa ideia de que a estatística pode resumir um jogo de futebol.

Não pode, nunca pôde, não poderá. O jogo é demasiado complexo. A maior parte das coisas que um jogador faz em campo não é quantificável nem resumível num gráfico ou numa tabela.

10 comentários:

MM disse...

Spot on.

A estatística pode ter algumas utilidade e importância acessórias, quando se destacam atributos de jogadores que desempenham funções idênticas ou jogadores que se especializam nalguma tarefa. Não sempre mas às vezes é útil. Seguramente, nunca é útil para se perceber os melhores jogadores duma equipa ou os melhores jogadores em campo. Isso jamais.

MoJoDeath disse...

Estes "cérebros" da estatística do desporto devem pensar que o Futebol se consegue compreender somente recorrendo a percentagens descriminadas como o fazem no Basquetebol, Futebol Americano e mais celebremente no caso do Basebol. Americanices portanto.

Devem pensar que encontram o melhor rematador porque remata 77% enquadrado na baliza ou que encontram o melhor defesa porque faz 80% de cortes limpos num jogo. Mas enganam-se porque o futebol não é jogo de mecanismos rápidos e repetitivos.

Alguém me explique como se quantifica e qualifica um jogador como o Jonas em percentagens.

Qual é o valor que se dá à Imaginação?

Jogar football manager é giro mas deixemos os computadores aí.

PP disse...

Ei! Ricardo! Não coloques no mesmo saco a nobre ciência da estatística com este tipo de brincadeiras "estatísticas".

Não tem nada a ver!

JMJ disse...

Como tudo na vida, estatisticas no futebol há muitas e algumas são efectivamente importantes e outras são utilizadas de forma descontextualizada.

Este texto já eu li quando se debatia no Basebol, Basquetebol, e também no futebol o seu papel. E a verdade é que a estatistica está a ganhar o debate.

Há estatisticas utéis que podem ser interessantes para analisar o desempenho dos jogadores e das equipas (uma particularmente interessante é a "Golos Expectáveis"), que procurando analisar o jogo com outras ferramentas acrescenta à sua análise. Tal como outras análises tradicionais não acrescentam informação nenhuma a quem as lê, haverá boa e má análise estatistica mas aí a culpa não é dos numeros.

Pensar que o Futebol não é também o resultado de análise estatistica é enterrar a cabeça na areia. Análise estatistica é uma ferramenta importantissima do trabalho feito no Benfica e por alguma razão o Jorge Jesus quis levar (levou?) o software (e os técnicos?) para o Sporting.

Haverá sempre espaço para se falar de futebol das mais variadas formas, e a estatistica apenas irá acrescentar à conversa.

Ricardo disse...

PP, estou a usar o nome usado pelos profissionais da empresa.

JMJ, a estatística serve apenas para poder sinalizar tendências num universo de estudo alargado. Nada mais. Então encontrar o melhor em campo de forma matemática é ir contra toda a essência do que é este jogo.

RedMist disse...

"Nunca discuto com a minha intuição" - Carlo Ancelotti

JMJ disse...

Caro Ricardo,

A estatística é uma ferramenta de análise. Não é a unica. É só mais uma. E pode ajudar à compreensão da realidade para lá do que as análises tradicionais. Uma não mata a outra.

Por exemplo, saber que N'Kolo Kanté, no ano passado no Leicester (175 desarmes na Premier League - 31 mais que qualquer outro jogador- e 156 intercepções - 15 mais que qualquer outro jogador) permite entender a sua qualidade e preponderância no jogo daquela equipa.

http://www.fourfourtwo.com/features/stats-zone-premier-league-player-201516-ngolo-kante

Analisando os jogos da selecção portuguesa no Euro 2016, verifica-se que em todos eles, com excepção da final, esteve mais perto da vitória (analisando o valor "golos expectáveis", que tem em consideração a localização dos remates à baliza).

http://www.bundespremierleague.com/busting-some-myths-about-portugals-not-so-lackluster-euro-winning-campaign/

Estes numeros são só numeros. Por sí só não espelham a riqueza toda do jogo. Mas permitem ir mais além na análise do jogo do que o simples "O Jonas tem muita classe"; "O Gaitan é um mágico com a bola nos pés"; "O Renato é uma força da natureza". Podem todos eles ser isso e a estatística ajudará apenas a comprovar a utilidade dos argumentos técnicos de cada jogador para o sucesso da equipa.

Paulo Matias disse...

É uma área com um potencial enorme, em qualquer estrutura de futebol profissional o investimento em software desportivo já faz parte dos respectivos orçamentos, analisam-se milhares de números semanalmente.
Não trabalho na industria, apenas conheço algumas pessoas da industria e o que partilham comigo, só isso.

Este site trás apenas uma amostra para o grande publico!
E a bem da verdade, prefiro uma análise a um jogo baseada neste tipo de dados estatísticos (com todas as limitações que tem), que as normais análises na internet/CS baseadas em quê? Feelings?
Então quando se trata de avaliar jogadores é um fartote... Um jogador tem dezenas de interacções com o jogo durante os 90m, mas o que fica na cabeça é sempre aquela perda de bola, passe, etc que por algum motivo nos ficou gravado na memória... Depois há quem tenha melhor e pior memória...

É como tudo, se interpretarmos estas estatísticas com algum equilíbrio ajuda-nos a perceber o jogo que vimos.

RMSCP disse...

Na mouche Ricardo. O problema no futebol não são as estatísticas mas sim as conclusões que se tiram das mesmas.

Cumps

R.B. NorTør disse...

Os números não são só números e precisam que quem os saiba ler. Estas empresas de observação e recolha estatística chegam algo tardiamente ao futebol, mas são de uma importância fulcral para os clubes de top. Quer na escolha dos jogadores, quer na determinação de estratégias (como por exemplo, o detalhe vai ao nível de saber para que lado certo guarda-redes da selecção italiana se atira preferencialmente no 1x1 ou em pénaltis).

Agora na essência concordo com o Ricardo. Não é a soma das estatísticas que determina o "melhor em campo" qual FM da vida real. Porque há muito que não cabe na frieza do números, mas enche o coração do adepto que enche os estádios.