quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Quando um de nós morre, é menos um golo do Benfica



O que há de mais chato na morte dos que amamos, para além do chato que é a morte dos que amamos, é o nunca mais podermos ver bola com eles. E nunca mais podermos beber uns copos com eles. E nunca mais podermos ver o nosso clube com eles. Nunca mais podermos fazer isto tudo com eles: ver o nosso clube, ver bola e beber copos com eles. E conversar. Ver bola e conversar com eles. Rir com eles de nós e rir deles connosco.

Hoje o Benfica vai jogar em Leverkusen e eu não posso chamar o meu Pai para irmos beber uns copos juntos e vermos o jogo por aí. Não podemos arrancar e ir ver o jogo a um tasco no Redondo ou no Alandroal. Lembrarmos o golo do Isaías que vimos ao vivo, juntos, entre abraços, naqueles últimos minutos de um jogo frio na Luz que antecipou o fogo eterno do Ulrich Haberland. Ele lembrar-se da minha infância e do meu imberbe benfiquismo; eu lembrar-me da sua chama de Pai, da sua chama de benfiquista.

Já não podemos ir ver o vídeo que se gastou pelas milhares de vezes que o vimos juntos, o vídeo dos 4-4 que sempre chegavam aconchegados num abraço entre o meu Pai, eu, o Rui Costa ainda com a camisola suada e o Toni em delírio. 4 golos para 4 pessoas, 4 abraços, 4 vidas. Em 20 anos, 20 mortes? Quantas mais no silêncio que percorre o carril do tempo e vem chegando agora de mansinho? Essa distância é a qual sobre esse 94 que parece ter sido numa outra vida vivida; diferente desta, num mundo distante deste, noutro futebol, qual futebol? Qual vida? Que morte? E o que morreu?

Já não vou ver o jogo com o meu Pai. Nesta noite ou numa noite qualquer. E é chato porque é bom ver a bola e beber copos com os nossos melhores amigos. Quando um morre, nessas noites, nesses jogos, nesses golos do Benfica já não rimos tanto nem com tanta vontade. Abraçamos menos e pior. Festejamos doridos. Quando um morre, é menos um golo do Benfica. Uma bola disparada por cima da trave em direcção ao tudo que é o nada.

9 comentários:

Anónimo disse...

Fodasse pa tens de parar de escrever. N venho ler blogs da bola p me emocionar.

Simon disse...

Chapeau.

Águia Preocupada disse...

Futebol também é isto. Emoção, saudade, recordação. O nosso hoje, não existiria sem o nosso ontem, os dos nossos pais, amigos, compinchas destes momentos, destas memórias.
Também lembro essa noite épica dos 4-4 e repetiria minuto por minuto, o que fiz para amenizar a ansiedade e o sofrimento dessa hora e meia de futebol puro e lindo!
A vida vai-nos ensinando a dosear as emoções e a controlá-las como auto defesa contra o que nos pode molestar. E porque a história não se repete, não vou sentir a dor e o sofrimento que se transformaram em regozijo e em festa, que hoje não vou querer sofrer!
Porque nós, os de outrora, já não somos os mesmos... Nem nós, nem os nossos, nem o futebol!

Anónimo disse...

Força amigo. . .Que o Benfica possa compensar hoje minimamente essa imensa tristeza. Abraço!

JB

Nuno Bento disse...

Um abraço, Ricardo! Espero que hoje possas dedicar a vitória ao teu velho.

ATF disse...

Também estava la, nessa noite, no velho Estádio da Luz. Tinha ido de excursão num dos autocarros que a Casa do Benfica na cidade do Porto alugou. Eramos muitos e, a propósito, ainda ha dias fui visitar as instalações da Casa e vi com agrado uma foto emoldurada e afixada na parede onde surge um grupo de benfiquistas que tinha ido à Corunha ver o Teresa Herrera. Eu estou la, com menos 20 anos. E recordei esses tempos de ilusão, onde ganhavamos a jogar grande futebol e perdiamos quase sempre por causa de uma ordem superior (foi assim logo a seguir em Parma).
Gostei deste teu post, Ricardo, onde mostras a verdadeira nostalgia que nos persegue, a nós benfiquistas. E um dia vamos nós também deixar de ser aquela companhia especial, mas que por agora temos a responsabilidade de saber transmitir aos mais novos, aos nossos filhos, este "sentir" que sempre distinguiu os benfiquistas dos demais.
Abraço do Porto.

Kiddo! disse...

É engraçado como este jogo de há vinte anos atrás nos desperta memórias e emoções... lembrei-me ao ler o teu texto que há vinte anos atrás a minha mãe me deu um cachaço para eu me virar para a mesa e acabar o jantar enquanto eu estava vidrado nesse fantástico jogo!! Acho que a partir desse dia fiquei benfiquista de coração...
Abraço

Fernando disse...

Um abraço Ricardo.

António Fonseca disse...

Curioso. Sou do FC Porto desde que tenho memória, culpa do meu Pai. Em Lisboa. Mas também me lembro muito bem do jogo. Vi-o em casa sozinho tinha 10 anos. No dia seguinte de manhã, o meu pai, que muitas vezes chegava do trabalho muito tarde já eu tinha adormecido, disse-me antes de eu ir para a escola: "hoje vê se dás os parabéns aos teus amigos do Benfica." Assim foi.