terça-feira, 29 de novembro de 2011

Lagarta? Não, sportinguista (ainda existem, embora estejam em perigo de extinção)

 «De ontem. o fim

O jogo acabou, festa do Benfica, jogadores a agradecer, meu ric’Capel, meu ric’Wolfswinkel sempre o último e a fazer questão de o ser. Fraquezas minhas que me pelo por estas coisas, e a equipa de há dois anos era bem mais antipática nestes cumprimentos. Avancemos, que não é disso que se fala aqui hoje.
Fiquei no lugar, já sabia que teria de esperar para sair. Não me preocupei, estava sentada e tinha o twitter para me entreter. Não estranhei estoiros, nem as primeiras cadeiras a partir ou a arder. Não, não aprovo nem quero dizer “faz parte”, mas faz e eu não estranho. Tanto que embora não aprove, ri-me quando ouvi “e salta bombeiro, e salta bombeiro”, há coisas que comigo funcionarão sempre. No caso é o “bombeiro”, o não haver um nome, é quase uma coisa noddyesca, cartoonesca e infantil “o bombeiro”. Não sei explicar melhor, mas fez-me rir. Nesta altura – do bombeiro e o extintor – já eu estava também de carapuço enfiado e cachecol a tapar a cara, com um ar perigosíssimo, aposto.
Tudo tranquilo até aqui. Sentou-se ao meu lado uma rapariga mais nova que eu, lívida, “ai meu Deus” e tapava a cabeça. Estive para a tranquilizar, mas o namorado apareceu e não me meti. Devia, porque o querido só a soube mandar calar, estava enervadissimo com a figura dela, claramente. Os homens de amanhã, enfim.
Continuava a haver uma cadeira a arder aqui, outra ali. A polícia ou não via quem as ateava ou não tinha ordens para intervir, não sei. Sei que nada fez, mas também não sei o que poderia fazer sem os ânimos se exaltarem. Os bombeiros, pacientes, subiam de extintor, apagavam e voltavam a descer. E eu continuava entre o twitter e o facebook, tranquila.
Minutos depois, novo fogo. Dei por ele antes de o ver porque as pessoas se afastaram para os lados. O espaço não era muito para todos que lá estávamos e foi aqui que começou a minha preocupação. Eu estava à direita dessas cadeiras (de quem está nessa bancada), o espaço entre isso e a parede acrílica não era muito e as pessoas chegaram-se para esse lado, ou seja, ficámos o dobro no espaço de metade.
O “ver a Luz a arder” para mim nunca foi literal, mas tinha miúdos em volta a cantar isso. Peguei num que estava logo ali e disse-lhe “não queremos, não. a esta altura já não queremos, calem-se com isso”. Havia outros que viam o fumo como eu via, o tecto e sei lá mais o que me passou pela cabeça, e começou a falar-se finalmente em descer (nós, a polícia ainda não tinha decidido, pareceu-me). Labaredas enormes, foi o que eu vi e não achei graça nenhuma. Não me interessa sequer saber como ou quem foi, só quis sair dali.
Fomos descendo pelas cadeiras. Deixei-me ficar para trás, por causa das confusões. Tenho horror a multidões em pânico, prefiro ser a última a cair no chão e ser pisada. Fiquei para trás então e fui descendo pelas cadeiras (porque as escadas ainda tinham muita gente) com um grupo de rapazes. Quando vi as escadas mais livres, desisti das cadeiras e mesmo com um polícia a gritar para as escadas que descessemos, saí desse caminho e fui para as escadas. Senti-me fazer um ar amuado, um ar de quem “só quis vir à bola”. A polícia e um rapaz foram-me dizendo “desça, desça com calma. venha por aqui. deixa passar” e cheguei ao corredor de acesso à bancada.
O corredor estava cheio, claro. Andava-se lentamente, mas andava-se. Ouvi miúdas eufóricas com o fogo. Metidas num corredor cheio de gente, num estádio a arder, com polícia por todo o lado, e estavam contentes. Eu sei que há idades para tudo, mas eu felizmente com aquela idade já tinha um cérebro. Passámos por um caixote do lixo a arder e eu em stress. Cada pessoa que passava pelo caixote só queria avançar naturalmente, e começaram os empurrões. Mais uma vez fui acolhida por um rapaz que protegia a namorada e me chamou para junto deles. Estávamos nisto quando o grupo pára e recua. Medo. “é a polícia?” perguntei (sim, não via nada, não tenho propriamente 1,70 que já me ajudaria a ver, e não levei saltos) ao que me respondeu que sim, e nesse momento o grupo abriu em círculo para fugir à polícia. Ficámos assim uns minutos, em círculo e parados. Eu e a outra rapariga mantivemo-nos no lugar e ficámos à frente do nosso lado do bloco. Ele dizia “mantenham-se aqui, fiquem aqui” e eu também achei que só tinhamos a ganhar em ficar ali à frente. Sei lá coisas que se pensam na altura. A polícia tirou um dos miúdos do grupo, nem percebi porquê, e um minutos depois, não mais, estávamos a descer as escadas.
Já cá fora, tive de estar um bocado ainda dentro do recinto em que tinham estado todos à chegada e depois de escoltados para fora das imediações tresmalhei e vim-me embora.
Nunca tive medo de ir ao futebol e ontem assustei-me. Morro de medo de multidões em pânico. Mas isto não são Sportings nem Benficas. São pessoas que não pensam vs pessoas que gostavam de ir ver o seu clube, na bancada dos seus semelhantes, sem correr perigo. São pessoas inconsequentes que me farão dar razão a quem uma próxima vez me disser “Mas vais? Não é perigoso?” e eu tiver de responder “pois, tens razão” em vez de “não, já fui e correu sempre bem. E isso não tem graça nenhuma. Sempre houve inconsequentes, bem sei, mas antes havia quem pusesse mão nisto, havia os que a certa altura diriam “Já chega” agora os inconsequentes parecem-me em maior número. Ou não, não vi nada, não vi quem fez o quê ou como, nem me interessa.
Isto fica aqui para me lembrar uma próxima vez que os miúdos estão loucos e eu já não tenho idade para isto. Quando quiser ver o meu clube fora, penso melhor no lugar que escolho. Há quinze anos rosnava a quem me dissesse que eu faria tal coisa. Parece que cresci mais um bocadinho.»

Marta

8 comentários:

Mike Portugal disse...

O que prova algumas coisas:

- Foi (e será sempre) um erro crasso querer meter claques com o publico "normal", no mesmo sítio;

- Os acessos e a policia contribuiram para a falta de segurança, em vez de serem uma ajuda;

- Os idiotas que metem coisas a arder, ou atiram bolas de golfe, ou usam lasers para incomodar os jogadores, ou atiram objectos, têm que ser punidos severamente;

O que deveria ter acontecido:
O SCP informava o SLB quantos bilhetes iria usar para as claques e o SLB criava uma zona de segurança dimensionada para esse tamanho (com alguma margem de erro). O resto dos adeptos teria direito a comprar os bilhetes para um sector adjacente, por exemplo, fora da caixa.

Constantino disse...

Ricardo,

Nunca fui a favor de generalizar comportamentos individuais de um membro de um grupo pelo resto do grupo. Por isso não posso generalizar o pensamento lúcido desta sportinguista como sendo tipico do grupo a que ela pertence.

Abraço

Constantino disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Diego Armés disse...

Constantino, desta vez discordamos. Eu acredito que, entre adeptos de futebol, são mais os sensatos do que os incendiários(ou qualquer outro tipo de arruaceiros). Se assim não fosse, este episódio seria regra e não excepção, como felizmente é.

Bom texto. Honesto e esclarecido.

LDP disse...

Fugindo ao post, apenas uma pequena nota:

ODEIO capas de jornal como as de hoje. De um lado Gaitan a dizer que ninguem desliga a tv quando o Benfica joga e do outro Witsel a dizer que sao uma equipa de artistas e mais nao sei o que. CALEM-SE!

Joguem à bola. Mantenham a concentraçao e nao acedam a merdas destas porra!

Over and out.

Constantino disse...

Diego,

Felizmente discordamos apenas e só porque o meu comentário foi apenas "de gozo". Não sou tão troglodita quanto posso parecer. O jeito para a ironia é que é limitado.

Abraço (daqueles rápidos para o Ricardo não ficar com ciúmes).

Carlos Carvalho disse...

Caríssimo Ricardo,

Vejo que continuas a colocar músicas de categoria.
A que mais gostei, foi "O quereres" de Caetano Veloso, na voz da mana abelha rainha.
Adorei o pormenor de Fernando Pessoa, e desconhecia que ela costuma declama-lo.

Aproveito para deixar uma prendinha:
http://www.youtube.com/watch?v=SymysSuSRAo

Acredito que a crise do meu clube acabou, e que vamos voltar a jogar bom futebol. O Fernando está um gigante, Moutinho de novo a carburar e o Defour ajuda a equilibrar. Se com o Maicon a lateral direito ganhamos, imagina a jogarmos com 11.

Anónimo disse...

http://www.peticaopublica.com/?pi=P2011N17431