Quando Jim Morrison Varela Devotto viu pela primeira vez a iluminação do mundo, corria o ano de 1994, mês de Outubro e havia por Montevideu um estranho sentimento nostálgico de alguma coisa que havia sido perdida entre o povo uruguaio. Ninguém, em estado normal, podia saber ao certo de que natureza era aquele sentir mas punham-se em cafés a adivinhar.
A tese que mais frutificou realçava a pequena dor futebolística de ser o Brasil campeão do mundo. Os mais velhos contavam aos filhos as epopeias gloriosas de décadas atrás e de como, num espanto planetário, foram roubar o caneco em pleno Rio de Janeiro, sob o véu quente de um país em euforia e logo depressão. Nesse tempo, os heróis não eram Romário nem Bebeto mas outros, menos dados ao imediatismo da fama. Punham-se a imaginar equipas, voltavam atrás, riscavam, não se lembravam bem e escreviam outra e outra vez em papelinhos nos bancos duros do hospital. Alguém mais novo se levantou e disse: "isso é tudo mentira, o Uruguai nunca foi campeão do Mundo!" e aquilo doía fundo no peito do avô de Jim, como uma primeira morte ainda em vida.
Passava ao lado disto Jim Morrison, que por esta altura procurava abrir os olhos de espanto e fazia com os dedinhos no ar jogadas de equipas antigas que tinha treinado no ventre da mãe. O Pai de Jim, finalmente regressado à pátria, trazia aquela sabedoria própria dos que vão e voltam, quase sem país ao qual chamar fonte e contava histórias ao rebento de outros mundos, de outras américas. Jim não entendia mas reconhecia no próprio nome algo que não lhe era totalmente sanguíneo, como se tivessem inventado outra língua para o seu nascimento. Tinha ouvido Juan, sim, Jose, Antonio, Carlos, até Maximiliano ele tinha escutado enquanto dormia em banhos termais, mas aquele nome, Jim, era-lhe tão pouco familiar que chegou a pensar que Jim era o nome do cão de peluche que o lambia sempre de orelhas levantadas.
A mãe discutia serenamente com o Pai coisas de maternidade: o cheiro do filho, os olhos, o dia mirífico que o recebeu, os modos da parteira, os dentes do médico, as colchas, o pequeno nariz, as mãozinhas, os pés como tarântulas mirradas, enfim, a existência. O avô ainda agarrado ao papel discutia com um desconhecido o onze campeão do mundo: "Ora, assim de memória foi: Pérez, Gambetta, Morán, Ghiggia, Matías... não, Matías, não, que estava lesionado e tinha sido Pai de três gémeos no dia anterior, então: Pérez, Ghiggia, Gambetta...", "Morán, Morán!", exclamava o outro, que nutria um especial sentimento por esse que lhe tinha alegrado noites a fio agarrado a um pequeno rádio entre lençóis e cobertores, fingindo aos pais estar a dormir, "Morán nem por isso, jogou, tinha estilo, mas pouca estaleca", retorquia o avô, senhor de conhecimento apurado de todas as equipas desde o começo da bola redonda, embora a memória, tão trágica, lhe falhasse aqui e ali. O desconhecido levantou a voz: "mete aí o Morán, o Morán é imprescindível!", e mexia a boca em trejeitos nervosos, agarrava uma mão na outra e ajeitava o casaco de malha. Morán não podia falhar. Já Gambetta... e provocava o avô do rebento, numa discussão que era mais cumplicidade; se não fosse por outra coisa, pela idade e pelo mesmo lugar no mundo.
Jim Morrison Varela Devotto tudo ouvia e cheirava pela primeira vez, embora nada visse por ter ainda os olhos fechados para dentro, como se se estivesse despedindo uma última vez das pálpebras. No entanto, notava toda esta algazarra tranquila e absorvia os nomes no coração para mais tarde imitar numa rua esconsa de Montevideu. A mãe olhava-o, querendo levar aquele instante para sempre pregado nos cabelos e nas mãos e na pele. Consumia a imagem do filho, enquanto se emocionava de amor. Só não estava de acordo com o nome: que nome era aquele, afinal?
Tantos nomes castelhanos bonitos, tanta história e tradição na família, desde um Escobar, um Oscar, um Manuel e logo o marido tinha embirrado em dar ao filho aquele nome de gringo americano, sem chama, quase nome de cão ou de boi. Depois o problema da fonética, som curto, pouco dado ao sentimento e à ternura de mãe. Queria um nome quente, alguma coisa que a fizesse recordar da vida sempre que chamasse o filho. Mas acedeu, primeiro aos soluços, no fim rendida com os olhos do marido em súplica: "jurei que era Jim, mulher, tem de ser Jim".
Tantos nomes castelhanos bonitos, tanta história e tradição na família, desde um Escobar, um Oscar, um Manuel e logo o marido tinha embirrado em dar ao filho aquele nome de gringo americano, sem chama, quase nome de cão ou de boi. Depois o problema da fonética, som curto, pouco dado ao sentimento e à ternura de mãe. Queria um nome quente, alguma coisa que a fizesse recordar da vida sempre que chamasse o filho. Mas acedeu, primeiro aos soluços, no fim rendida com os olhos do marido em súplica: "jurei que era Jim, mulher, tem de ser Jim".
E foi Jim. Jim Morrison Varela Devotto. Até hoje. Para a eternidade. Chega num autocarro aquático transatlântico daqui a uns meses. E só espera casar com uma qualquer Pam que encontre olhando o Tejo, nos prados largos do Seixal.
12 comentários:
este tal de Jim Morrison Varela Devotto foi contratado para a equipa B? nao percebi nada do texto, deve ser do cansaço dos exames ams quem é este gajo?
Sobre Pam que vêm do outro lado do atlântico conheço uma... fantástica... adorarias conhecer... eh pá estou sem veia para escrever a minha miúda esteve doente e fiquei sem energia... no entanto bastam-me os teus textos... e para quem gosta é suficiente... eu sendo anarquista florzinhas independente também provavelmente não traria nada de bom :)))
Ricardo,
Neste momento a duvida que me assalta o espirito (é este o nivel de segurança no pais, ate o espirito roubam) é: quando o Jim original afundado em mescalina escreveu "Spanish Caravan" estava-se a referir ao plantel do SLB?. Só para os mais desatentos, a coisa começa mais ou menos assim: "Carry me caravan take me away, take me to Portugal...".
Abraço
Pensei em meter banda sonora, mas depois tive de ir carregar geleiras e sacos com grelhadores.
Mas tens razão: pede Spanish Caravan, nem que seja por ser a única música (e já é muito) em que os Doors dizem... Portugal.
E assim se completa qualquer coisa.
ele é o líder das portas, ele é a bancarrota, ele é o grande líder cubano, eu não diria equipa B, eu diria, dasse eu já nem sei o que digo perante tanta comichão, ele é comichão para aqui, ele é comichão para ali ... qualquer dia até arranjam ponta lá para um tuga ou outro
Off topic:
«Jorge Jesus é um treinador de nível mundial, muito forte a nível tático. Incentiva-me a subir no terreno e noto que estou a evoluir com ele. A nível coletivo, não tenho dúvidas de que grande parte da responsabilidade da boa época que estamos a fazer deve-se a ele», explicou Emerson.
Era bom que o Jim não viesse cá para cantar. Either way, ficamos a ganhar...
Alexandre, onde andas pah? A malta tem sentido falta dos teus comentários.
Anónimo (train?), é a nova contratação. Um dos 532 gajos que vão dar à costa lá para Junho. Mas este, pelo nome, mereceu destaque. Não esperem que todos tenham direito a post. Não há tempo de vida suficiente.
eupenso, o que é um anarquista florzinha independente? estou extremamente curioso.
Bcool, o homem evoluiu! Tenho medo de pensar o Emerson antes de Jesus.
POC, o Alexandre está ressentido com tudo isto. Volta quando lhe passar a birra.
Anarquista pacifista!
Grande contratação. Aguardo ansiosamente um Johnny Cash Gutierrez, ou um Bob Dylan Rodriguez ou, porque não, um Lou Reed Bermúdez Herrero.
Ontem li o nome deste cromo no Red Pass e passei a noite a ouvir doors também. Valeu por isso.
Para não fazer publicidade em causa própria deixo aqui mais um nome Lindelof. Ah e atenção, ainda nem veio e já está pago, afinal de contas nem o vasteras é o santos nem nós somos corruptos
Como alguém disse, emerson lesionado, mais uma oportunidade para o gordo mostrar que quer o lugar do emerson
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