segunda-feira, 20 de junho de 2016

Fernando Santos - ou a glória ou o espeto


Em cada português, uma lousa onde traçar a vitória no Euro. Gizar a táctica perfeita. Escolher o 11 evidente. É simples, basta "não inventar". Talvez precisemos de um programa informático que reúna 11 milhões de onzes e dali saia então, filtrado por um algoritmo altamente lusitano, os 11 heróis que nos levarão à glória, mesmo que a máquina acabe metendo o Bruno Alves a ponta-de-lança, o Patrício nas entre-linhas e o Cristiano Ronaldo a fechar a ala direita.

Se escolher 11 jogadores para uma competição desta natureza fosse fácil, não era para nós. Decidir implica muito mais do que olhar estritamente para as características individuais de cada jogador. Requer um pensamento mais elaborado e colectivo, precisa de ter coerência com o trabalho que vem sendo preparado nos últimos meses. É por isso que Fernando Santos começa a dar sinais preocupantes.

Desde logo, a escolha por Quaresma em detrimento de João Mário no último jogo. De repente, sob o peso da crítica e das exigências populares por enfiar no relvado os 3 reis magos, o mister sucumbiu à pressão e perdeu a bússola com que vinha norteando as suas opções. Se o que estava trabalhado era um 11 que privilegiasse o entendimento entre 4 médios - dois mais interiores que soubessem furar defesas mais compactas através da movimentação dentro do bloco adversário e abrissem espaços para a entrada dos laterais, um posicional e um "8" em apoio aos dois avançados selvagens lá na frente - não se percebe a opção no jogo com a Áustria, que acabou por nem ser carne nem peixe. Portugal acabou por entrar em jogo em formato delícias do mar e naturalmente pagou por isso.

Sem ponta-de-lança de qualidade inegável, Santos, inteligente, optou por trabalhar uma equipa que tivesse nos seus médios a capacidade para semear com bola, num jogo de posse e pelo relvado, a planta que crescesse até ao golo. Uma linda árvore frondosa que fosse crescendo pelo jogo interior e constantes combinações curtas, usando as alas não para cruzamentos insípidos mas como forma de embuste. É evidente, um cruzamento não é nenhuma erva daninha se tiver o propósito e as condições ideais. Será o passe de André Gomes para Nani no nosso único golo igual a um charuto do Quaresma de meio do meio-campo? Não é, mas há quem queira chamar cruzamento a tudo e justificar cada bola atirada pelo ar sem critério como "mais uma opção válida".

O futebol desta equipa estava a ser trabalhado para uma forma específica de jogar - que, quanto a mim, viria a ter a sua natural glória a curto prazo - mas Fernando Santos, após o primeiro empate, decidiu esquecer-se de tudo isso e foi atrás do palreio (legítimo, porque todo o palreio é legítimo) da generalidade dos palradores lusitanos. Aí cometeu o seu primeiro erro, sobre o qual deverá reflectir e rapidamente corrigir, fazendo reentrar no 11 o único médio (já que não levou Pizzi) que pode elevar o futebol de Portugal à lucidez: João Mário. Na frente, soltar Ronaldo livre e escolher entre Nani ou Quaresma o seu companheiro para os desvarios.

O segundo erro de Fernando Santos derivou do primeiro: após uma aposta incoerente contra a Áustria, a equipa empatou, o futebol piorou (apesar das naturais oportunidades de golo), e o Mister, confrontado com tudo o que prometera, decidiu prometer ainda mais: agora já não íamos só fazer tudo para ganhar isto, agora já sabíamos que só vamos acabar no dia 12 de Julho no Marquês, com 11 milhões de portugueses em cima da cabeleira do Pombal. Era o desespero final.

Na sua bondade, na resposta às preces sedentas de glória dos emigrantes que amam este país de forma absolutamente enternecedora, Fernando Santos despiu-se, passou molho barbecue pela pele, abriu o grelhador e deitou-se em cima das brasas. Resta saber se o povo o vai querer bem ou mal passado.


4 comentários:

Anónimo disse...

Contra a Austria o futebol piorou? Que raio de jogo andaste a ver??

David disse...

Ehpah desculpem, esqueci as patacoadas tecnico-tacticas para me concentrar no ultimo paragrafo...genial!!!!
(recuso-me a escrever ao abrigo do novo descaordo ortografico e escrevo portanto ao abrigo de um teclado Ingles, sem acentos )

Ricardo Fernandes disse...

Também não acho que tenha piorado, mas também não melhorou. O que melhorou, foi a saída de Danilo, implicando a não descida de Moutinho ao meio campo defensivo e a subida dos centrais com bola esticando a equipa. Mas Quaresma é um jogador a menos, foi-o durante os 68 minutos de campo. E parece estranho, mas depois não deveria ter sido o sacrificado. Se nada faz, num jogo (o Português) onde não existe colectivo, sacar um coelho da cartola, é a especialidade de Quaresma. Até poderia entrar João Mário na mesma, mas nunca entraria Eder.

Agora o verdadeiro problema está na dinamica entre o 8 e o 9,5 que não existem. Nani não sabe procurar o espaço entre-linhas, não descai nas linhas , não procura as tabelas com os extremos ou laterais e Ronaldo não joga de costas para a baliza. Obriga o 8 a ser 10 e 9,5. É uma tarefa impossível.

Para mim era claro como água. William titularissimo. João Mário a fazer este misto de 10 num lado e 8 por outro. Nani pela direita, Rafa pela esquerda e a frente para Eder e Ronaldo. Ronaldo pode ser um excelente 9,5 se quiser. Pode fazer de Jonas, mais rápido e mais letal. É só querer.

Anónimo disse...

Excelente imagem do seleccionador.
Já que se meteu no grelhador, por mim pode sair esturricado.
Um abraço,
JR