terça-feira, 7 de junho de 2011

Eles já lá estão e nós: vamos a caminho?

O etnólogo, zoólogo e ecologista francês Jean-Jacques Petter estudou, nas florestas de Madagáscar, um pequeno macaco — Callicebus — que tem um comportamento muito peculiar: cada família passa o seu tempo, para além de comer e dormir, em visitas às fronteiras do território que marcaram como seu, entre as copas das árvores, para gritarem ou ameaçarem a família vizinha de Callicebus, as quais aceitam o desafio para que a demonstração de antagonismo possa efectuar-se. Petter recorreu ao termo “noyaux” para designar “uma sociedade de antagonismo interior”, dividida em pequenas “cliques” artificiais ou grupos que, anos depois, Robert Audray identificou como “uma associação de proprietários territoriais unidos por uma relação de amizade/ inimizade”.

Numa sociedade ou grupo humano, o “território” é substituído pela “posição” e os gritos e ameaças dão lugar à “intriga”, a qual visa levar uma pessoa, família ou grupo mais próximo, a perder a sua posição entre os seus iguais.

Ambos, Callibus e humanos vivem uma espécie de utopia. Os macacos, satisfeitas as suas necessidades, físicas e alimentares, sem grandes esforços, apenas podem ser extintos pela alteração de condições externas do “habitat”, já que em sociedades ou grupos onde estão satisfeitas as necessidades básicas, a evolução/ involução não é provável, daí que o futuro não seja muito esperançoso. Na sociedades ou grupos humanos a situação não é a mesma, um equilíbrio mais ou menos perpétuo — estagnação — não é possível, os antagonismos, sendo interiores, têm consequências a nível externo — a sociedade ou grupo não são auto-suficientes, o alimento não é fácil, exige luta pelo mesmo — e esta não pode ser dirigida e controlada por uma espécie de “aristocracia” artificial que, no essencial, visa a sua própria auto-preservação e a manutenção dos privilégios adquiridos — a “posição” — e tal “aristocracia” é contrária à evolução e a utopia em que vivem a sociedade ou grupo — a “grandeza”, por exemplo, considerada como adquirida e não perecível — acaba por auto-destruir-se na defesa dos interesses específicos da tal “aristocracia”. A História ensina-nos que isto já aconteceu com Impérios. Não é inevitável, mas as revoluções não são programáveis, dependem de condições objectivas e da capacidade das vanguardas, no “pegar ou largar”. Não é fácil…

Resumindo, o SCP encaixa, perfeitamente, nesta metáfora.

Desculpem esta pequena incursão pela Antropologia. Os créditos pertencem a Gordon R. Dickson e à sua obra “Wolfling”, os erros, interpretativos, de tradução e outros, ficam por minha conta.

5 comentários:

Armando disse...

Ricardo, coloca lá o título: Eles já lá estão e nós: vamos a caminho?

Ricardo disse...

De facto, percebe-se a analogia.

O Sporting é um grande clube e sê-lo-á por muito tempo, mesmo que em termos desportivos seja há muito um clube desabituado de ganhar.

Mas o Sporting tem acima de tudo um enorme handicap, que o irá acompanhar sempre: não é clube que sobreviva por si próprio; é simultaneamente um clube e anti-clube. Não sabe viver sem o Benfica. Imaginemos que, um dia, o Benfica acabava - o Sporting acabava.

E há exemplos desses na vida animal. Ou melhor ainda: o Benfica é a fotossíntese para o Sporting.

Pedro Venâncio disse...

O zbording é a piada desportiva do país. Um clube que se diz ser digno mas só é digno nas palavras dos seus adeptos, porque no resto é o que se vê, andam há uma década a baixar as calças ao porto para ver se cai alguma migalha e para ver se aniquilam o Benfica. O projecto roquete era isso: acabar com o Benfica para dividir entre os dois (claro: com o porto a ganhar quase tudo e eles a levarem umas tacitas de vez em quando) o futeobl português. isto não é patetico? Este clube é uma patetice pegada. Vivem a pensar no Benfica, sonham com o Benfica, têm pesadelos com o Benfica, e aceitam ser submissos dos corruptos só para ganhar uma coisa ou outra e acabar com o Benfica. Isto não é um clube, é uma masturbação anal.
Nos ultimos 30 anos ganharam 2 campeonatos. 2! E em vez de perceberem que é o porto o verdadeiro rival, porque ganha muito mais e porque controla ilicitamente o futebol, só veem Benfica à frente. Pobres coitados. Nem daqui a 10 anos ganham um campeonato. O braga já é maior que eles.

Ricardo disse...

Ó Venâncio, estás a ser um bocado rude com o Sporting. O Sporting é um grande clube - sem comparação, nem a brincar, com o Braga -, com uma história no desporto português que merece destaque e adeptos que, tirando os anormais, que obviamente existem em todos os clubes, merecem o nosso respeito.

É verdade que vivem na sombra do Benfica mas isso quase sempre aconteceu, não é novidade. Numa capital há sempre o grande clube e o satélite. Em Madrid, em Barcelona, em Milão, em Londres, em Munique, em Viena, em Budapeste, em Moscovo. Em Lisboa, passa-se o mesmo, ou quase, que ainda assim o Sporting não é um Atlético, um Espanhol ou um Chelsea. É maior do que esses. Algum respeito.

No entanto, não posso deixar passar a expressão "masturbação anal" em relação ao comportamento do Sporting com o Porto. Das coisas mais acertadas que já vi sobre o fenómeno. Por mim, ficava como ditado popular sempre que se falasse na submissão do Sporting ao Porto.

Armando disse...

Escrevi o texto quando assisti à intriga que levou à eleição de JEB, cerca de dois anos atrás. Porém, a coisa é séria e é uma pena que este estudo de Petter e Audray esteja quase esquecido. Explica as razões verdadeiras da queda de impérios passados, todos implodiram. E diz-nos o que são as utopias, retirando-lhe a carga idealista, a utopia só é possível quando existe um 0-0 e jogo decorre no meio do campo. A piada ao Sporting foi um mero pretexto para as minhas preocupações actuais, uma das quais a lenta agonia benfiquista, rumo à estagnação.

Não sou capitalista, em termos ideológicos, o facto é que o sistema, mau ou bom, tem demonstrado porque subsiste: não surgiu nenhuma alternativa melhor. Até a um passado relativamente recente — 50 anos — um dos fundamentos do sistema, a primazia do poder político, aqui e além, chocando com o poder económico e com o trabalho, manteve a direcção. Olhem para o presente: nos tempos que correm é o poder financeiro — já não o poder económico — que manda e comanda, determinando a política, submetendo um poder político mais ou menos impotente. Reparem, os responsáveis e promotores dos “lixos tóxicos”, as agências de “rating”, financeiras e outras, prosseguem impunes, por cima e acima, submetendo os poderes que sustentavam o sistema capitalista, o que me leva a uma conclusão: o sistema estagnou, resta saber como vai ser o futuro: regeneração ou corrida em frente?

A regeneração só será possível pelo uso da força ou por quem consiga apanhar os cacos do sistema, depois da implosão do mesmo, tal como o conhecemos, transformando-o. O que me leva à convicção de Marx: o comunismo, para ter sucesso, terá que evoluir a partir dos países desenvolvidos, pouco importa se estou ou não de acordo, uma coisa tenho a certeza, o marxismo não está tão morto como parece. E não se deixem iludir, PCP e BE, por exemplo, não são o marxismo, apenas a reacção, no mínimo, proxenetas do marxismo.

Desculpem a digressão, só que não acredito na real existência de um "planeta futebol”. Conhecias os riscos quando me convidaste, Ricardo.