domingo, 26 de junho de 2011

Onde foi que nos perdemos?

Para compreender o presente, blá blá, é preciso conhecer o passado.
Afirmei que a estagnação do Benfica começou nos anos 70 do século passado. Fixemos uma data precisa: 25 de Abril de 1974, embora os sinais de declínio já existam no futebol, 1968 é a ultima presença em finais da Taça dos Campeões e convém não esquecer que o final da carreira de Eusébio coincide com 1974, saiu do clube em 1975. E a propósito do “Velho”, procurem saber quantos títulos ele conquistou durante os 14 anos de Benfica e quantos foram conquistados nos seguintes 31. E se não perceberem, uma consulta ao quadro de honra federativo talvez ajude.
O presidente que levou com o 25 de Abril foi Borges Coutinho, o tipo de pessoa a quem se convenciona catalogar de gentleman e altamente respeitado no meio, duvido é das suas capacidades de gestão e tenho a certeza que uma das coisas que não compreendeu, foi a confusão a seguir ao tal dia de Abril. Julgo que teve medo, que o clube viesse a tornar-se um qualquer Dínamo ou Lokomotive. O clube abanou, começou a perder com mais frequência.
No entanto, a coisa não se notou nos anos seguintes, o ritual parecia manter-se, o Sporting ganhava de quatro em quatro anos, no ano do Mundial. O Benfica foi campeão em 75, 76 e 77 e em 78, ano de Mundial, já não aparece o vizinho e sim o Porto que conquista o seu primeiro depois de 58/59, logo acumulado em bi. A coisa tinha começado.
Segue-se Ferreira Queimado, como presidente e que nos legou um dos maiores praticantes de rugby, o João. Diz-se dele que, quando presidente do Lisboa Ginásio, mandava desviar a secretária quando chovia no gabinete presidencial. Foi nesta gerência que foi admitido o primeiro estrangeiro no Benfica, um simpático Jorge Gomes. Não foi culpa de Queimado, apenas um sinal dos tempos, o Benfica já não tinha garantias de conseguir os melhores portugueses.
Seguiu-se o Sr. Comendador Martins e já aqui falei dele sobre a transferência de poder, no texto “ O triunfo da Política ou a Baía dos Porcos”, referindo acontecimentos que se reportam ao segundo mandato. Esqueci um acontecimento, impensável, que ocorreu no primeiro: quando o futuro Sr. Comendador “perdeu” o Chalana. E para quem? Para o Sporting? Não! Para o Porto? Não! Para o Boavista do Sr. Major…O qual, gentilmente recompensado, acabou por devolvê-lo ao Sr. Comendador. Estão a perceber? Os dois mandatos deste sujeitinho, apesar dos títulos — Svennis e Mortimore — foram devastadores para o futuro do Benfica. E esta peste é figura reverenciada, um “senador”! Se isto não é decadência, o melhor é jogar Sudoku, infantil, de preferência.
Depois, o ecuménico João Santos, eleito por não se encontrar em nenhum dos grupos que rodeavam Jorge de Brito e onde se digladiam duas concepções de gestão: a conservadora, “ o deixa estar que está bem assim”, de Gaspar Ramos e a reformista de Tadeu. Gasparzinho ganhou, com o apoio do ecuménico João Santos.
Depois Jorge de Brito, um especulador genial, mas com alguns problemas quando tinha que meter as mãos na massa. Resolvia o problema contratando os melhores e no Benfica não os tinha, o clube caíra na mão de arrivistas e oportunistas. E no tempo de JB aconteceu um outro acontecimento da maior relevância: a contratação de Futre, de que forma e com que meios, seguidas, no ano seguinte, das “traições” de Paulo Sousa e Pacheco, já para não falar, de anterior acontecimento, a tentativa de fuga de João Vieira Pinto. 1992-1995, foram anos terríveis, culminando com a infiltração de Artur Jorge, em 94, depois de Toni ter sido campeão em condições extraordinariamente adversas e recompensado pelo untuoso Damásio com um punhal nas costas.
Siga o baile: Damásio e una variação sobre a nulidade. Teve azar, o dinheiro que sustentava um depenado Benfica — grande Jorge, quanto dinheiro deitado fora para satisfazer os caprichos de tantas nulidades e malandros! — tornou-se necessário e reclamado, a corda na garganta passou a fazer parte do quotidiano da gestão benfiquista, o aristocrata estava pelas ruas da amargura, desportiva e financeira. Data deste tempo o início do não pagamento de impostos e segurança social.
Finalmente, o último antes, Vale e Azevedo. Diz-se que nos bancos e na caixa, haveria cerca de quatro contos e a primeira coisa que o infeliz presidente teve que fazer foi injectar dinheiro seu para despesas correntes e salários. Ainda assim, acrescentemos o mesmo à lista, mesmo sabendo-se que durante três anos o homem não teve tempo para mais que arranjar o dinheiro que seria preciso no dia seguinte. Mas sabia ouvir: foi a conselho de um dos menos importantes assessores, Eládio Paramés, que Mourinho foi contratado.
Ricardo esclarece-me, a tua “oposição” é aquela do “Benfica, vencer, vencer”? Dá uma vista de olhos pela listagem, encontrarás, na sua maioria, incluindo a infâmia Veiga, aqueles que conduziram o Benfica até 1997. Ou terás algum milagre para anunciar à tribo, um novo herói e uma revolucionária chefia? Daí que tenha afirmado que para pior já basta assim. Pelo menos não me sinto humilhado e ofendido. É pouco? É! Claro que quero mais, arranjem um cabecilha, um revolucionário capaz e é só o tempo de ir buscar a caçadeira que nunca usei. Direi que já não é sem tempo. Já fiz uma proposta sustentada e explicada.
E foram estes os líderes que o Benfica conseguiu parir nos últimos 25 anos do passado século, todos democraticamente eleitos pelo “povão” benfiquista. E durante estes anos, tudo que se fez teve a ver com arranjos de pedreiro, incluindo a megalomania do fecho do 3º anel, ainda que aqui se compreenda, afinal tratava-se de dinheiro macaco. Apesar do cinzentismo, da falta de ideias e ambições, estas pequenas figuras até Martins e incluindo, tiveram cuidado com o passivo do clube, o desastre veio depois.
O texto é, na essência, político, uma espécie de cronologia da incompetência, refere o topo da superstrutura e não aborda a inexistente política de gestão, considerada como simples prática contabilística. A política desportiva (gargalhadas…), aquela que verdadeiramente nos interessa, fica para outro dia. Pobrezinho como é este texto, foi quase forçar-me a escrevê-lo, o relato da pura e simples sobrevivência, não é muito estimulante para um “historiador”.

4 comentários:

Armando disse...

Ricardo,não há nada a fazer, quem nasceu na idade do arado de madeira, nunca conseguirá conduzir um tractor!

Hattori Hanzo disse...

Não te sentes humilhado e ofendido? Se calhar o problema é mesmo esse. Eu sinto-me. Tudo o que aprendi e respeitei sobre o Benfica este Presidente e Direcção encarregam-se de contrapor. Poderá ser uma questão de gerações e modo de vida não digo que não, mas não acho que para vencer seja preciso usar as mesmas armas do inimigo e usar as mesmas patifarias. Mais do que não ganhar títulos o que me dói neste Benfica é vê-lo como uma tentativa de cópia dos de lá de cima (ainda por cima mal feita).

Hattori Hanzo disse...

Quanto ao texto em si, apenas posso falar a partir das décadas de 80 e 90. Não me pareceu que o Fernando Martins fosse tão mau. Mas claro aí ainda era muito criança e não via as coisas como hoje. O que é certo é que aí a hegemonia já se tinha perdido: estávamos numa fase em que ganhávamos um campeonato de 3 em 3 anos e eles eram bi-campeões. Concordo no entanto contigo na questão de uma oposição nova: não é aquela amálgama de Benfica Vencer Vencer (se ainda houver) que vai resolver aquilo.

Ricardo disse...

Até 1990, prefiro não falar porque, apesar de ter dados, não convivi com as personagens de modo atento o suficiente para que as pudesse ter analisado por mim de forma sustentada. Digo, no entanto, como já disse noutros textos, que me é de todas as formas cincompreensível a ligação de um Presidente do Benfica à escumalha portista desde que Pinto da Costa chegou ao poder. Mesmo que tivesse sido enganado uma primeira vez, após a noção clara da estirpe daquela gente, Martins teria de ter abdicado das relações sociais e profissionais com tal bando de déspotas e malandros. Nunca o fez. Ainda hoje convive muito bem com o corrupto-mor. Isso para mim é não-benfiquismo.

Jorge de Brito tenho ideia de ter sido um sonhador, um homem ligado a outros gostos e culturas, que, solidário, meteu muito dinheiro próprio no clube mas com pouca clarividência ao nível das escolhas. João Santos, tenho dele boa memória. Uma memória provavelmente conspurcada pelas coisas que ouvi dizerem-se sobre ele e as minhas imberbes impressões sempre que o via. Pareceu-me sempre um bom benfiquista e não será pouco dizer que, com ele o Benfica ganhou muita coisa e foi a duas finais dos Campeões Europeus em três anos. Estruturalmente, desconheço mas parece-me que o princípio do fim ou meio do fim passou pelos seus anos de Presidência.

De Damásio, não consigo falar. Vêm-me logo vómitos à boca. Um incompetente. As escolhas que fez, aliadas ao passado que recebeu, mas fundamentalmente o ter ido buscar corruptos para o seio do clube, fazem dele o pior Presidente da História.

Depois Vale e Azevedo, um malandro que primeiro mete algum e depois rouba e aproveita o estatuto. Muitas vezes mais vítima do que réu, parece-me, ainda que, claro, fosse um burlão dos maiores. Até nisto o Benfica se diferencia dos demais: os outros roubam os adversários em benefício próprio; o nosso burlão roubou o Benfica para nosso prejuízo. Enfim, até os maladros benfiqusitas têm pudor em roubar aos outros.

Se tu não te sentes humilhado com a antecipação das eleições, mentiras, traições, falsas promessas, incompetênia generalizada de Vieira, então eu, como tu me chamas num comentário atrás, direi várias coisas sobre ti: és oportunista, o teu benfiquismo é menor e eu é que me importo verdadeiramente com o Benfica. É estúpido ler isto? Sim, porque é estúpido dizê-lo.

Mas, claro, discordo completamente. Já me senti várias vezes humilhado com o que esta gerência faz do clube. Em primeiro, sempre, a antecipação de eleições para evitar concorrência. A maior vergonha da história democrática do clube a que alguma vez assisti.

Movimento "Benfica Vencer, Vencer" e eu? Fui convidado na altura para conhecer o projecto. Recusei-me, quando vi a amálgama de gente que o encorpava. E foi só.

Curioso é o pensamento que nos leva da crítica a Vieira ao achar-se que, por isso, há uma ligação a esse tal movimento. Nunca tive nada a ver com movimentos nem penso tê-los. Discussão ideológica, debate sério, contem comigo. Tachos, não. A não ser que tenhamos de ser nós, anónimos benfiquistas, a abrir uma porta para uma liderança benfiquista e competente. Nesse caso, apoiarei quem sentir que tem força (E BENFIQUISMO), seriedade, competência, orgulho no clube, noção de como funciona o futebol, inteligência, capacidade organizativa. A esses, a existirem, darei o apoio de que precisarem.

A tua ideia foi lançar um nome - com o qual concordei, ainda que par aoutras funções. Não mostraste plano nenhum, nem construíste uma verdadeira ideia do que entendes ser a melhor estrutura, e em que moldes, para o Benfica. Espero por desenvolvimentos.
Da minha parte, e como prometido há umas semanas, farei um texto sobre o que entendo dever ser a estrutura do Benfica. Como é óbvio, é contrária à actual em muita coisa.