terça-feira, 14 de junho de 2011

O triunfo da política ou a baía dos porcos

O Football Association — a Federação inglesa… — nasceu, com regras definidas e disciplina, em 1863, dentro de dois anos completará 150 anos. Em Portugal, a primeira notícia de um jogo, com as regras inglesas, datará de 1889, a ser verdade, o Football Association, em Portugal, completará 124 anos em 2013. Porquê esta digressão por coisas que são do domínio comum, acessíveis a quem tenha alguma curiosidade?
Desculpem, não são insignificâncias. 150 anos, século e meio, mesmo que para Portugal a conta tenha menos tempo. Mesmo assim, 122 anos são muito tempo, tempo mais que suficiente para que tenha sido produzido alguma análise cientifica — sem medo do vocábulo — que explique, com método e coerência, o porquê e quais a consequências de tal ou tais acontecimentos. Há muita “história” sobre o futebol português, sobre a cronologia, nenhuma com análise interpretativa. Por exemplo, para além da banalidade, alguém já leu alguma coisa sobre as razões que expliquem a erupção do Benfica na década de 60?

Não é um problema especificamente português, ninguém antes de Desmond Morris, tirou o futebol dos relvados e o projectou para o sociológico e a antropologia e Morris teve um papel decisivo na paixão que tenho pelo futebol. Bem, Carlos Drummond de Andrade, em diferente registo, fez algo semelhante.
Não sou Morris, nem um “historiador” e muito menos um cientista, melhor: não sou avaliado por tais critérios, ainda que seja considerado um especialista — um “assassino”— na minha actividade profissional.
O textinho que segue foi escrito há já algum tempo e aborda um dos meus temas favoritos: a política, “desportiva”, claro. È, por muito modesto que seja, é um dos primeiros textos interpretativos sobre determinados acontecimentos e quais as consequências, um trabalho quase original em Portugal. Refere o momento que marca o início da hegemonia portista, os factos e protagonistas que lhe deram origem e as consequências.
Ainda não era o poder absoluto, ou quase, esse momento iniciou-se em meados da década de 90, 95/96, quando através do domínio — da ditadura das Associações — a hegemonia se instalou, varrendo o Benfica de qualquer cargo de decisão. Na FPF tinham um presidente de consenso, um fraco chamado Madaíl, um carreirista, na Liga, o sinistro Dr. Aguiar como quase vitalício director-executivo, e na justiça e disciplina, os eminentes Drs. Lúcio e Mortágua. Resumindo, a fina-flor da cultura portista.
Como em todas as guerras, houve um momento determinante, uma batalha que na altura não pareceu ter importância e que os tempos seguintes demonstram que fora decisiva. Infelizmente no Benfica existe pouca memória, a maioria não sabe quanto custou a glória passada e muitos dos que, para proveito próprio, traíram o clube, passeiam-se pela tribuna VIP e são trados como “senadores” ou “notáveis”. Um dos “cavalheiros” é referido já a seguir.
Ocorreu em meados dos anos 80 e o nosso “Miguel Vasconcelos”, o ilustre comendador Fernando Martins. Como manda a tradição, essa capitulação foi feita fora do campo, nos gabinetes, talvez no “Altis”, entre “cavalheiros”.
O Sr. comendador tem duas qualidades que muito úteis lhe devem ter sido na sua carreira de “self made man”: vaidade e arrogância, o típico “chico-esperto” que subiu na vida e para uma pessoa destas, ser presidente, mandar no Benfica, imagine-se.
No tempo, Pinto da Costa acabara de reorganizar a sua própria casa, sobrevivera a Eriksson e estava pronto para redimensionar o clube. Fez uma análise correcta das fraquezas do Sr. comendador e esperou que a vaidade e a arrogância deste lhe dessem a oportunidade esperada. Salvo erro, no tempo, os dois clubes tinham apalavrado um “pacto de cavalheiros”, o compromisso de não aliciarem jogadores do outro.
No Benfica de então, os mais importantes jogadores, juntamente com Bento, eram Diamantino e Carlos Manuel. Os dois jogadores estavam em fim de contrato. Seguro no tal pacto de não agressão, o Sr. comendador, no seu “quero, posso e mando” levou a negociação aos limites da ruptura, com Pinto da Costa a mover-se habilmente, sendo óbvio que os jogadores, no limite, iriam para o clube nortenho. Incapaz de vergar os jogadores, finalmente consciente que as deserções poderiam verificar-se, o Sr. comendador vira-se para Pinto da Costa, o qual, muito amavelmente, lhe garante que não contratará os jogadores.
Foi o momento “histórico”: o Benfica mantivera uma influência no futebol que resultava mais da passada grandeza que da força dos seus dirigentes. A classe dirigente, fora dos dois clubes, percebeu quem era o novo patrão do futebol português, a transferência de poder estava iniciada.
Os sócios do Benfica aperceberam-se e correram com o Sr. comendador. Era tarde, os sucessores dos Sr. Comendador não viram ou não quiseram reconhecer o óbvio e aos oportunistas, tipo João Santos e Gaspar Ramos interessava aquele decadente Benfica, tanto que inviabilizaram o plano “Tadeu” — fins de 80, início de 90 — que poderia ter reerguido um Benfica completamente dependente do mecenato de Jorge de Brito, como se viu pouco depois, quando este precisou da maior do dinheiro que tinha emprestadado, o Benfica afundou-se, financeira e desportivamente e não foi responsabilidade exclusiva de Vale e Azevedo, como pretendem e querem enganar os adeptos, protegendo os outros responsáveis. Afinal, trata-se da “panelinha” ou de uma vaca leiteira chamada Benfica, um clube onde se cometeram as maiores barbaridades financeiras e desportivas e ninguém é responsabilizado, tal acontecerá com o presidente actual e a monstruosa e descontrolada subida do passivo

PS. O Sr. Comendador perdeu o Benfica e em troca, uma amizade eterna com o Sr. Pinto da Costa. Que bom para ele.


9 comentários:

Anónimo disse...

Boa análise. O ajoelhar do sr. comendador e a derrota de Luís Tadeu são o ponto de viragem e a oportunidade perdida nesta curta história. Infelizmente, não se vislumbra luz no fundo do túnel.

Armando disse...

Ricardo, o meu computador — máquina de escrever… — parece um dispensário do Curry Cabral. Podes dar apresentação ao texto?

Carlos Alberto disse...

Esta malta adora reescrever a história...

Sakana disse...

SAKANAGEM CADA VÊZ MAIS COLORIDA!

www.sakanagem69.blogspot.com

Armando disse...

No meu texto faltou a clarificação de uma ideia que lhe está subjacente: o jogo do "poker", algo que só aparentemente é um jogo. O "poker" é a arte do bluff, o ganhar, perdendo. Alguém viu o filme "The Cincinnati Kid", com os fantásticos Steve Mc Queen e Edward G. Robinson? Vejo mais Pinto da Costa como um jogador do "abafa", ainda que aqui e além pareça um jogador de "poker".

Ricardo disse...

Ó Armando, eu a desanuviar a malta com viagens e tu trazes este elefante para a conversa!

Quando tiver tempo, comento.

Ao Carlos, em vez das frases estéreis agradecíamos algo substancial. "Reescrever a história"? Ok, ilumina-nos com a tua verdade. E ainda bem que "nunca" comentas aqui, Carlos.

Armando disse...

Compreendo e aprecio a resistência à depressão, Ricardo.

No entanto, não será a extinção dos elefantes que restabelecerá o equilíbrio ecológico. São demasiado grandes, é facto, só a compreensão da sua necessidade permitirá que possamos seguir em frente. Que nos incomodem, isso compreendo. E são demasiado grandes para serem acomodados em armários.

Por exemplo, temos um elefante chamado Nuno Gomes - tens, temos? - noção de quanta porcelana vai ser quebrada por esse bicho?

A nossa parelha Bonnie & Clyde, quem quer que seja quem, não tem a mínima noção das consequências.

E uma confirmação, a cobardia do presidente, a mesma que nos fez perder Mourinho. Lembram-se? Quando não teve coragem de explicar ao amigo Jesualdo que o Zé não o queria na equipa técnica. Agora, trata-se de outro amigo, o biltre que ocupa a cadeira de treinador. E sempre, os supremos interesses da "instituição". Eis no que tornámos, um clube de merdosos.

Ricardo disse...

Polícia bom, polícia mau, Armando: não concordando com a opção por motivos que já expliquei, acho totalmente legítimo que o treinador dispense um jogador, mesmo que um jogador "especial"; digamos assim. Não compreendo, nem sequer desportivamente, mas aceito. E preferia que o erro de ir pelos amigos em vez de pelo Benfica de Vieira tivesse sido só neste caso. É que ter tido Mourinho na altura teria dado muito mas muito mais jeito. Lá está: benfiquismo, sem dúvida, mas acima de tudo competência entre o grupo e a equipa técnica. Já nos patamares superiores exigem-se os dois.

Quanto ao post: nasci em 1981, por razões óbvias não acompanhei "in loco" de forma minimamente atenta Fernando Martins como Presidente do Benfica. Sei o que me foram passando os familiares e amigos e o que ficou escrito na historiografia. Que muitas vezes pode levar a erros de apreciação. Diz o Carlos que estás a reescrever a história. Talvez a história se tenha reesscrito a ela própria. Talvez. O que sei foi que nunca compreendi como podia um ex-Presidente (e, na altura, Presidente) do Benfica ser amigo de um ser abjecto como Pinto da Costa. Por mais razões que se possam dar, acho impossível de aceitar. Uma pessoa destas para ter como amigo só se for para ganhar com isso e não apenas pelo doce sabor da comunhão de ideias ou sentimentos. E não duvido de que Fernando Martins tenha também construído obra no Benfica; os factos desportivos estão do seu lado, embora possamos ver na sua Presidência a mudança de hegemonia ou o princípio dela.

Do que tenho a certeza é disto: Vale e Azevedo fez mal ao Benfica mas não foi o principal culpado. No meu tempo de atenção ao Benfica, vi, por exemplo, e o que para mim é o mais prejudicial de todos, Damásio desconstruir um clube ganhador de uma forma tão absurda que só a entendo sob o prisma da premeditação. Ninguém é assim tão incompetente. Mas com João Santos já havia sinais perigosos de uma possível descida aos infernos e a loucura (embora doentiamente benfiquista) de Jorge de Brito também não ajudou à festa e fomentou o declínio gradual do Benfica vencedor.

Enfim, não haverá um culpado apenas neste processo. O que talvez seja importante questionar, assunto no qual não vejo os benfiquistas interessados (aliás, a ausência de vontade em comentar este post, que devia ter gerado uma discussão séria sobre Martins e os que se lhe seguiram, corrobora essa ideia), será: desde quando não temos um Presidente simultaneamente benfiquista e competente? Há quantos anos? Décadas?

Armando disse...

Ricardo, umas notinhas:

1 — A análise que faço de Martins e das consequências da sua gestão é inteiramente correcta. A informação está disponível — dará trabalho… — e sou um felizardo, tenho uma espécie de patrono “benfiquista”: Sérgio, de seu nome, mais seis décadas de “ser” do Benfica, uma memória fotográfica e analítica e mais de 50 anos de colecção de “ A Bola” e quando tenho dúvidas, lá vai ele ao seu arquivo mental e conduz-me à “bíblia” do tempo, aos incomparáveis Vitor Santos, Carlos Pinhão, Alfredo Farinha e o meu favorito, Aurélio Márcio e sim, também Silva Resende.

Tem obra desportiva, o Martins e o bambúrrio de ter trazido Svennis. Quanto a outra obra, o fecho do 3º anel, o meu amigo tem dúvidas, não quanto à paternidade, a aplicação de fundos, atribuindo a sua origem a outro: o engº Vitor Vasques, então secretário de estado de qualquer coisa e que terá informado a direcção do Martins que, no âmbito da cooperação, a Suécia disponibilizara uma verba — cerca de 200 mil contos de então — para serem aplicados em infra-estruturas desportivas. Com a informação privilegiada, o Benfica terá conseguido aceder aos fundos. Enfim, é passado.


É um facto, o Martins foi o primeiro presidente — o único…— a ser afastado depois de ter sido campeão.


2 — Já o escrevi: a razão da saída do Nuno tem a ver com a permanência do treinador. Noutras condições, passa pela cabeça de alguém que o capitão, por puro capricho, decida jogar mais um ano? Agora, Ricardo, a coisa é séria: não sei se sabes, o futebol é, para mim, o mais parecido com o jogo da guerra. Um dos maiores pensadores militares, Clausewitz, afirmou que “guerra era uma ferramenta da política”, logo dependente desta. Quando o comando militar se sobrepõe ao “político” estamos, no mínimo, perante um golpe de estado, o militar sobre o político. Nove em cada dez vezes, a derrota é inevitável, o azimute perdeu-se. A autonomia dos treinadores, e dela a legitimação da chantagem e condicionamento do poder político, mesmo que por fraqueza deste, só pode conduzir ao desastre. Veremos.


3 – O último presidente, adepto e competente? Maurício Vieira de Brito, ainda que as suas ligações políticas ao regime de então sejam algo incómodas. Foi o presidente da erupção europeia e mundial do Benfica, a maior parte das vezes ausente e capaz de se rodear de um notável núcleo de dirigentes: Justino Pinheiro Machado, Manuel da Luz Afonso, Gastão Silva, etc..


4 — Partilho da tua decepção. Gosto mais das críticas que dos elogios, que uma análise algo polémica como a que apresentei sobre um dos momentos mais importantes da vida do clube, seja ignorada, é a confirmação de uma consciência já adquirida: o benfiquismo não existe. Restam as gralhas — não as da minha escrita — as outras.