O Constantino, sempre na crista da actualidade, já abordou o assunto, mas permitam-me ir um bocadinho mais longe. O que se passa em Portugal em relação a Barcelona-Real Madrid é de uma pobreza de espírito assinalável. Não o amor pelo futebol, pelas rivalidades, pelo desejo de ver grandes jogos, grandes artistas, grandes duelos; não a genuína paixão pelas emoções ou a curiosidade de saber quem, de entre reais ou independentistas, sairá vencedor. Isso é puro, humano, eterno.
O que me potencia o grito de espanto é a forma como tudo isto é vivido. Tudo de um facciosismo sem justificação, de um pseudo-clubismo órfão de pátria ou de afectos. Os jornais dilaceram o nosso campeonato com excessivas e demagógicas loas - hoje o "A BOLA" faz a primeira página mais ridícula da história, em que remete o campeonato português para um plano secundário (e hoje só está em discussão o título e as duas equipas que o disputam em jogo) -, as rádios não se calam com o duelo ibérico, nas televisões vemos comentadores lamberem os beiços a Mourinho e seus jogadores, de uma forma que nada tem a ver com a análise ao jogo, apenas e só porque Mourinho e seus jogadores, alguns, são... portugueses. Tudo isto de uma pobreza de visão, de um portugalzinho de parolos e invejosos, de lambe-botas, de mentecaptos. Os mesmos que, umas horas depois, são capazes de usar dessa boçalidade popular que nos define bem como povo: "de Espanha, nem bom vento nem bom casamento". Mas boa submissão.
E o povão vai atrás, submisso. Escolhem-se barricadas, delimitam-se linhas no chão que distinguem uns e outros, mesmo que uns e outros não sejam nem de uns nem de outros. Os adeptos preferem equipas - mas não lhes basta a preferência; insultam, arriscam teorias, avançam pela contenda defendendo os seus "merengues" ou seus "culés", como se tivessem nascido debaixo das muralhas do Santiago Bernabeu ou do Camp Nou.
Esquecem-se das suas próprias equipas, dos clubes que dizem defender e avançam, destemidos, pelo clubismo de aluguer. Não há nada que o justifique ou o legitime. Apenas uma resposta banal à vozearia que os jornais e as rádios e as televisões emitem. Seguem a matilha, seguros de que afinal são mesmo do Real Madrid ou então são de certeza do Barcelona e nem sequer compreendem o ridículo de tudo isto. Nem a razão que o sustente. "Ser" do Real Madrid porque lá jogam portugueses, desculpem, é ridículo; "ser" do Barcelona porque fazem um futebol fabuloso, perdoem-me, é absurdo. Aceita-se que vibrem com as boas equipas, compreende-se que tenham preferências patrióticas (embora não se compreenda muito bem este patriotismo feito de coisa nenhuma), mas "ser" de algo que nos não é íntimo? Como e porquê? Com que bases? A propósito de quê?
Não me entendam mal: gosto dos dois. São clubes eternos, pela História, pelo palmarés, por aquilo que significam para os seus povos. Ao longo do caminho, tenho gostado mais de uns e depois de outros, sempre na perspectiva do adepto que gosta de futebol e vibra com os grandes clubes. Mas "ser", peço desculpa, SOU do Benfica. Já vi grandes jogos no Santiago Bernabeu, já fui ver o Barcelona ao Vicente Calderon, a Huelva e a Salamanca. Gostei de vê-los, aos dois, com os seus jogadores fabulosos e a massa adepta fiel e sempre presente. Ouvi aqueles "uuuuuuuuuuuui" de um golo que afinal não foi. Emocionei-me com o Rivaldo ou com o Laudrup (dos dois lados da barricada), não aguentei o espanto ao ver Ronaldo o fenómeno ao vivo ou a surpresa de observar a inteligência sublime de Iniesta ou de Zidane. E está bem assim: amor, puro e duro, pelo futebol.
Mais do que isso, zero. Acho ridículo, imbecil, deslocado. Uma traição sem sentido ao clube que amamos. E espero - sem esperar - que hoje ninguém fique em casa porque "vai dar um jogo muito importante na televisão".
3 comentários:
Parabéns pelo post.
Partilho destas tuas ideias.
Está a dar esse jogo, mas eu estou aqui, na Gloriosasfera, à espera de ver reacções ao 4-1.
E achei absolutamente escabrosa a capa do jornal.
CARREGA BENFICA!!!
Há que dar ao povo o que o povo quer...
Bravo! Nem mais!
Cumprimentos azuis e brancos
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