segunda-feira, 2 de abril de 2012

Do direito a insultar gratuita e injustamente o árbitro

O excesso de informação causa-me urticária. O acesso fácil, imediato, espertalhão à realidade. Ainda está um gajo a chamar todos os nomes ao árbitro por um lance suspeitíssimo na área adversária e logo alguém saca do coldre um telemóvel ultra-moderno e avisa os animais: "não foi penálti". Onde fica o direito à indignação se somos confrontados assim, sem pudores nem lugar ao imaginário, com a cruel verdade dos factos? Permitam-nos a dúvida, o desespero, o sentimento de injustiça. Deixem as gerações sonhar e guardem no bolso as últimas gerações de tecnologia. 

Há muitos, demasiados, anos costumava passar férias no Sul de Espanha. O dia mais ansiado ficava guardado para o momento em que comprávamos o jornal na esperança de ter notícias do Benfica. Era o dia em que saíam listas intermináveis, que ocupavam duas páginas inteiras, com o sorteio das competições europeias. A infomação, no entanto, já existia há 24 horas. Em Portugal já se sabia que o Benfica tinha calhado com uma equipa húngara há um dia inteirinho. E nós, ali tão longe, quase no deserto andaluz, tão distantes de sabermos. 

E então levávamos o jornal para a praia, assentávamos praça, tirávamos as t-shirts, abríamos cadeiras, estacávamos o guarda-sol na areia escura e quente do verão mediterrânico e, com um gesto quase divino e celestial, devagarinho percorríamos as páginas em busca da informação desejada. Púnhamos os dedos na horizontal para tapar os emparelhamentos das linhas inferiores e com muita cerimónia perscrutávamos as equipas. Não raras vezes o Benfica aparecia só no final da segunda página, o que nos dava o conhecimento científico de todos os Malmoe-FC Dnipro, Servette-Honved, Cork City-Brann e demais 3412 pares de equipas. 

Ainda hoje penso na razão pela qual aquilo era tão importante, visto que, do ponto de vista da dificuldade, era raríssimo apanharmos logo equipas de grande nível. Mas havia ali não só o benfiquismo preocupado e honesto mas o gosto pelo secreto. O facto de Portugal inteiro conhecer algo sobre o Benfica que nós desconhecíamos causava-nos alguma dor, provavelmente alguma saudade, mas também uma leve sensação de distância que nos alegrava - estar de férias também era isso, não ver portugueses, ficar longe de portugueses, amá-los e detestá-los do lado de fora. 

Quando chegávamos ao nome Benfica, havia quase sempre um sorriso do meu Pai. Eu olhava-o a tentar entender se aquele nome estranho que tinha aparecido em frente ao nome do nosso clube era bom para as nossas aspirações. "Está no papo" e o meu coração benfiquista descansava-se. 

Hoje como seria? Estaríamos com um telemóvel na praia a seguir em directo o sorteio da UEFA? Os grãos de areia nas entretelas das teclas e aquele facilitismo das coisas directas e tão pouco misteriosas. Faríamos um esgar de enfado - afinal seria tão simples - e nem sequer conheceríamos os nomes de todas as equipas irlandesas, norueguesas ou húngaras de trás para a frente. E o que o futebol me deu de geografia.
Por mim, mantenho-me fiel ao meu Nokia que não tira fotografias, não faz filmes, não tem acesso à internet e não pode ser sacado do coldre feito pistola para o assassinato da dúvida. No máximo, uma mensagem de algum amigo pouco íntimo com a minha vontade de mistério a estragar-me os planos. E como soube bem estar uma hora com o Constantino em Olhão a insultar com todos os nomes possíveis o árbitro pela expulsão do Aimar. Permitam-nos esse direito inalienável a sermos tão humanamente injustos.


12 comentários:

Pedro disse...

Boa tarde meu grande sacana!

Vê lá se te lembras do que te perguntei no sábado? Para quando é que eu compro...

Abraço
Pedro

JC disse...

E as cervejas, pá? Não acredito que deixaste o álcool de fora das reivindicações.

Ricardo disse...

Já desisti dessa luta. Uma vergonha não podermos beber tranquilamente a nossa cerveja e o nosso uísque no estádio!

Alguém, acho que o João Duarte, há uns tempos lembrou esse esquema fabuloso: cerveja a percorrer os tubos do estádio com acesso directo a cada lugar. Não percebo por que razão não se aproveitam estas excelentes ideias. Miguel Bento, atenta na blogosfera, pá. Buja para todos! Com capacetes à Homer.

Pedro disse...

Ricardo,

Epa bem vistas as coisas, quase que acho bem, se bebesses no estádio entravas assim que abrem as portas! Não te esqueças que beber com os amigos na espectativa do jogo é tão ou mais importante (um pequeno sacrilégio)que o jogo em si!

Abraço
Pedro

Ricardo disse...

Pedro, não me lembro. Falas de quê?

O Manelito estaria sempre nos planos, até porque aceito que no estádio os preços sejam mais caros. Agora... um gajo ao intervalo ter de beber aquela coisa intragável que sabe a papa que é a cerveja sem álcool é que deprime.

Pedro disse...

Ricardo,

Falo do livro pá, escreve que eu compro de boa vontade...

Epa tens de ver os pontos positivos da coisa, se o Luís Miguel Pereira consegue dar autógrafos na Megastore da Luz com um livrozito, tu com uma biblia deves conseguir pelo menos que te disponibilizem um segurança (para deixar os gajos à porta) e uma cheerleader para te ir buscar cerveja de 2 em 2m!

Eh lá!!! Tu ainda consegues pelo menos provar para dizeres que aquilo sabe a papa, eu nem isso consigo...é mau demais...

Abraço
Pedro

Constantino disse...

Ricardo,

Mesmo tendo sido 1 hora a insultar o gajo, ainda pecamos por defeito... e verdade seja dita, o telemovel naquele caso ajudou. É importante que se refira que alguém me respondeu à pergunta por sms "era para vermelho?" com outra sms com a frase singela "não, no máximo amarelo para os dois"... é este o nível de amizades que eu cultivo...

Mesmo assim continuo a afirmar que os nossos insultos não foram, de forma alguma injustos... fui ali para ver bola e expulsar Aimar é um crime lesa bola. Não admito...

Só para terminar, apoio a ideia da cerveja com alcóol, hesito na coisa do whisky. Digamos que acho que o nectar escocês iria dar um ar demasiado selecto a uma actividade que se pretende bardajona e mal educada. Para mariquices já basta teres que sentar na cadeira com o numero do bilhete...parece que estamos no cinema...

Abraço

Anónimo disse...

Só compreendo a proibição da cerveja com álcool nos estádios em jogos onde intervenham os corruptos. As aulas de formação que os super-cagões tiveram nas montanhas de Tora-Bora permitem-lhes sintetizar o álcool e fabricar mortíferos cocktails molotov. Espera... afinal eram bolas de golf e a proibição já existia...

E acho que foste tu, Ricardo (não tenho a certeza mas também não tenho pachorra para ir ver os posts antigos, vou antes ali ao frigorífico buscar outra bejeca), que escreveste acerca dos gajos irritantes que vão ver os jogos para o café, com o rádio e o auricular, e estragam toda a emoção do golo. E agora ainda há aqueles que nos tiram o prazer de inocentemente insultar o árbitro através de simples sms ou, pior ainda, um vídeo da jogada. Haja vergonha. E haja justiça. Eu até sou contra a pena de morte por isso, para esses anormais, aquilo que peço é o suplício.

Henrique

povoaopoder disse...

Bem já decidi... agora sou povoaopoder (era aquele que pensava muito, mas livremente...) adiante, nunca pude passar férias em lado nenhum, mas se tivesse podido... isso, essa coisa... esses sentimentos... essa vida seria a minha... e parece que hoje tudo se esvai como areia por entre os dedos de criança que está cá dentro bem viva...

Armando disse...

Chambão? Essa é a carne que dou ao meu gato, o "Picas", em homenagem a um ex-hoquista do Benfica, contemporâneo do "Piruças". O "Picas" gosta de experimentar as garras na minha pele...

E sim, Ricardo, posso não concordar com todas as tuas escolhas musicais e outras. gosto que as faças, ontem, hoje e amanhã.

pitons na boca disse...

"E o que o futebol me deu de geografia."

Nem mais. As novas gerações não vão ter nada disto... qualquer dia é ouvi-los para aí a dizer que a África é a norte da Europa e outras barbaridades do mesmo calibre.

João Duarte disse...

Epá Whisky no lugar era cena à lagarto.

Mas para além da cerveja há outra coisa q poderia circular nas tubagens da cobertura, vinho verde tinto, o famoso Vinhão do Alto Minho.

Que maravilha, fresco, na malga, pfff...

Nota: Antes do jogo do Braga estava uma camionete "deles" a petiscarem em Sete Rios uma piquenicada...q desilusão! Nem vinho, nem uma concertina a puxar...e dizem-se eles os guerreiros do Minho.