Vitto, conhecido blogger da blogosfera benfiquista e amante dos cabelos do mago, o que é que te deu
para abrires um blogue, tu que já andas nisto como comentador há uns
anos?
Sim, de facto já ando nisto de comentador de blogues há já alguns anos,
mas confesso que antes de abrir o blog ia pouco a outros blogs de
desporto. Aliás, a minha "carreira" na blogosfera começou em 2004, com
um blog mais pessoal, onde tentei abordar assuntos sérios mas logo ao
segundo ou terceiro post aquilo chafurdou no humor com cartas ao dono do
cão Rex que dava na televisão. Já tinha alguns comentadores nessa
altura, que acabava por ser gente conhecida com quem ainda mantenho
contacto. Quanto à ideia de abrir um blog sobre o Benfica já era antiga,
e cheguei a ter um blog só com vídeo de cada jornada, que se chamava
Arquivo Benfica 2008/2009, no tempo do Quique, mas que só o actualizei
durante meia época. Depois acabei por apagar porque nunca tive nenhuma
visita. O Cabelo do Aimar surge no momento em que mudei de Famalicão
para Abrantes, após largar a fábrica têxtil onde trabalhava para me
dedicar ao estudo e trabalho online. Uma bela tarde/noite na caixa de
comentários do Gordo, Vai à Baliza, o amigo B. falava da beleza que
ostentava o couro capilar do nosso mago, e isso foi a estocada final
para abrir o blog que há alguns dias me assombrava a cabeça. Foi assim
que começou, numa brincadeira no meu blog favorito, Gordo, Vai à Baliza,
sem desfazer o teu e o dos outros benfiquistas todos, mas esse é
especial para mim.
Não levamos a mal, o Gordo também mora nos nossos corações. Fábrica
têxtil é à Benfica. O que é que se passou entretanto para mudança tão
radical?
Sim, aquela fábrica era mesmo muito à Benfica, especialmente nas noites
de jogos Europeus, onde o meu turno vibrava, cada um com o seu rádio
sintonizado na rádio que melhor sinal apanhasse, a gritar como doidos
nos golos do nosso clube. O melhor de tudo era a irmã do patrão, que
servia também de "olheira" do irmão, ser Benfiquista, e fechava os olhos
a esses gritos de golo. O mesmo não aconteceu quando o Porto ganhou a
Liga Europa, levando a que se proibisse em definitivo os rádios na
produção. Consigo encontrar um paralelismo com a rega aos jogadores do
FCPorto no nosso estádio. Quanto à mudança, foi assim um pouco radical,
como tudo na minha vida. Já trabalhava naquela fábrica à noite, depois
das aulas, desde os 15 anos, quando entrei no secundário, e quando
completei a maioridade, entrei para os quadros em definitivo, deixando
assim o 12º incompleto por não conseguir (nem me apetecer) conjugar as
duas coisas. Passados mais de 10 anos naquela empresa, no início de 2011
decidi mudar o rumo da minha vida, e aproveitei a boleia do antigo
primeiro-ministro e completei o 12º naquele programa que muitos criticam
mas que achei bastante positivo. Demiti-me da empresa, onde já tinha
atingido um estatuto considerável, e decidi voltar à faculdade, para
aprender e formar-me naquilo que eu realmente tinha vocação, comunicação
social. Vim para cá em Julho de 2011, e em Agosto, a par de ter
iniciado o meu trabalho como produtor de conteúdos online, abri também o
Cabelo do Aimar para ser uma espécie de diário público das minhas
mentalidades.
Com tanto benfiquismo à flor da pele, há quem ache estranho que o Cabelo
do Aimar não seja escrito só por adeptos do Maior. E há inclusivamente quem
cometa a ousadia de anunciar uma relação promíscua entre ti e o
Valdemar, que é sportinguista. Isto tem fundamento ou são só rumores de
quem não tem vida sexual?
No blog, comecei a postar algumas coisas engraçadas, mas logo ao fim de 2
ou 3 posts percebi que não era aquilo que eu queria. Eu queria-me
divertir a ler posts no meu blog, não só a escrever, e aí percebi que
tinha que chamar alguém para abraçar este projecto comigo. Aí surgiu o
Valdemar, habitual comentador do blog Gordo, a quem eu achava imensa
piada no que dizia, umas vezes porque era acertado, outras porque só
dizia disparates, e isso levou-me a lançar o convite lá na caixa de
comentários, o qual ele aceitou prontamente. Nunca conheci sequer o
Valdemar, apenas falamos esporadicamente pelo facebook, mas mesmo assim
não falamos tanto quanto isso. Nunca lhe impus nenhuma regra, aliás,
quando o convidei já sabia o feitio dele através dos comentários que
lia, e sabia que ele ia fazer um bom trabalho, como fez. Durante algum
tempo até foi ele que segurou o blog, quando eu andei mais afastado por
ter arranjado um trabalhito na fábrica do Azeite Gallo, mas que durou
pouco tempo por causa dos contratos temporários. Portanto, não há
qualquer relação entre mim e o Valdemar, até porque tenho uma namorada
que amo, e nunca fui muito dado a essas paneleirices, apesar de
respeitar. Na mesma altura, decidi convidar mais dois escribas, do
Benfica, não pelo clube mas porque eram bons amigos e apreciava a
escrita deles por outras paragens. O Daniel, que já frequentava a
blogosfera benfiquista há alguns anos e o fRiik, que tinha uma visão
muito apaixonada do futebol em geral. O fRiik fez um post e ficou sem
grande tempo, por motivos profissionais, enquanto o Daniel passou
directamente para a direcção do blog, que se manteve inalterada até
hoje, comigo, com o Valdemar e com o Daniel. Quanto ao acharem que deveria ser só um blog com escribas benfiquistas, só tenho uma coisa a dizer. Deixem de ser burros.
Quase desde o início o blogue procurou destacar-se por uma atitude agressiva
contra a incompetência e algum comodismo que vigora na Comunicação
Social. Foi uma estratégia pensada para a atrair mais visitantes ou esta
é, estando tudo a estudar o fenómeno, uma preocupação que te queima
cabelos ao final da noite?
Bem, nenhuma "linha editorial" no blog foi alguma vez seguida, até
porque acho que o primeiro mês foi sempre de larachas e piadas, e também
montagens, que adorava (e adoro) fazer. Penso que começamos a abordar
esse assunto, os 3, no meio desse pagode que vomitávamos diariamente,
porque se tornava demasiado fácil criticar a comunicação social devido
ao grande número de coisas ridículas com que nos vão presenteando.
Confesso que muito antes de abrir o blog, e até de pensar regressar à
faculdade, já me corria a ideia de que conseguiria fazer melhor do que a
maior parte da comunicação social que vemos na imprensa escrita,
especialmente no que toca a reportagens e outras peças menos
convencionais. Logo no segundo ou terceiro post, acho que comecei logo
com uma nova secção que acabei por não dar seguimento, onde investigava
onde é que paravam antigas glórias do nosso clube. Daí até às
reportagens e análises cuidadas, sempre na tentativa de divertir quem
lia, foi um pequeno passo. Depois disso veio o Classic Diggin', onde
investigávamos equipas que nos encheram os corações em décadas passadas,
onde os bigodes e o cabelo longo e descuidado inundavam os campos
mundiais. Isso acabou por nos custar a primeira visibilidade mais
pública, quando saímos na revista de O Jogo. Ainda hoje penso que foi
algum portista que enviou o nosso blog para lá, só para nos queimar o
bom nome, porque até andávamos numa altura de gozar bastante com esse
jornal. No mês seguinte começamos as entrevistas e nunca mais parámos de
tentar dar informação jornalística aos nossos leitores. Para mim, é uma
espécie de treino, acho eu. Mas, como disse anteriormente, nada disso é premeditado ou segue uma
linha. A próxima entrevista pode sair amanhã, como pode sair daqui a 3
meses. Não estamos preocupados com isso. Aliás, se me perguntasses qual o período que mais gosto do blog, é mesmo o mês de Agosto.
O Classic Diggin´é uma sucessão de preciosidades que acabam por não ter o
devido destaque devido às polémicas que são sempre mais do agrado dos
leitores. Isto acontece porquê? As pessoas não gostam suficientemente de
futebol ou simplesmente preferem comentar os posts em que podem
ajavardar mais?
Sim, tenho que concordar parcialmente contigo. Os primeiros Classic Diggin' não
tiveram muitos comentários, mas depressa percebi que isso não implica
que não sejam lidos e apreciados. Até noto uma maior afluência nas
visitas. Nos mais recentes, notei um maior número de comentários em
relação às equipas ali analisadas, e até com coisas que me passaram ao
lado, o que é bem-feito para eu estar mais atento na próxima vez. O
"ajavardanço" que se vê na caixa de comentários é normal. Aliás, eu
sempre andei por estas andanças virtuais, e sempre pertenci ao grupo dos
que mandam um puta que te pariu sem razão aparente. Nunca andei por
fóruns ou blogs onde não me deixassem dizer o meu palavrão ou insultar
quem eu quisesse. A internet movia-se muito assim, e o facebook acabou
por matar um pouco isso, mas enquanto existirem blogs como o Cabelo,
essa forma de viver na internet não irá morrer. Não acho que só porque
se prefere insultar em vez de elogiar uma equipa signifique que não se
goste suficientemente de futebol. Gosta-se é mais de dizer um "foda-se"
do que um "carrega benfica". E muito bem.
E
muito bem, o vernáculo é o oráculo do povo, embora o "Carrega, Benfica"
também ande muito nas bocas do mundo. O Benfica ainda carrega?
O Benfica carrega sempre, e ás vezes até às costas. O Benfica passou por
uma fase complicada, que coincidiu com a minha infância e adolescência,
e nessa altura não carregava muito, mas não deixava de ser o Benfica
que ainda é hoje, cheio de referências e com jogadores emblemáticos que
me faziam demorar vários minutos a pensar qual deles eu queria ser nas
peladinhas com os amigos. Mostovoi, Paneira, Isaías, João V. Pinto, e,
pasme-se, por vezes um Jamir ou um Mauro Airez entravam para as minhas
preferências. Não me importava que o Benfica acabasse longe do pódio,
desde que continuasse ali para eu beber daquela magia. Hoje em dia penso
de forma um pouco diferente, mais porque acabei por crescer, perdendo
aquela inocência em que dizia que o Benfica era melhor que os outros
porque era o meu clube. Hoje em dia continuo a achar que o Benfica é
melhor que os outros porque é mais do que o meu clube. É mais que um
clube. Sempre representou grandes valores que se foram perdendo nas
pessoas comuns, mesmo que sejam benfiquistas, mas que ainda acredito que
possam ser recuperáveis, mesmo através do futebol. Carregar na máxima força tornou-se um pouco difícil, muito à custa da
hegemonia do Porto no nosso campeonato, às custas de muita frutinha e de
bons resultados. Lembro-me de termos bons jogadores, mesmo nas piores
equipas... O Preud'Homme carregou, o Poborsky carregou, o Miccoli
carregou, mesmo quando o resto do Benfica não carregava, e isso nunca
foi suficiente para batermos os rivais. Nos últimos 3 anos, com Jesus,
conseguimos ter vários jogadores a carregar, mas só conseguimos um
título, por culpa do treinador, de alguns jogadores e do presidente. Os
árbitros também ajudaram bastante à festa, sendo até importantes para
que perdêssemos o título deste ano.
Onde é que estavas no 6-3?
No 3-6 estava em casa, a ver o jogo na televisão com o meu avô. Era
normal vermos os dérbys juntos, e ele puxava pelo Benfica quando
jogávamos contra o Sporting. Infelizmente, não tenho muitas recordações,
apenas as que se vão reavivando no youtube, mas recordo-me durante o
jogo de um comentário do meu pai a gozar com o João Pinto porque ele não
tinha pêlos nas pernas. Lembro-me bem é de gozar bastante com os
Sportinguistas na segunda feira, na escola, até de fazer desenhos na
aula com números 6 e mandar em formato avião de papel contra os
lagartos. Acho que já foi uma coisa que nasceu comigo e que nunca perdi.
O Sporting é o nosso grande humor ou no fundo, mesmo lá no fundinho, até
continuam a ser, apesar de estarem pelas ruas da amargura, o rival que
nós respeitamos, mesmo que nos propiciem momentos de grande diversão?
Eu não acho que o Sporting seja o nosso grande humor, é apenas o mais
fácil de gozar porque as vitórias do Porto não nos permitem ir muito
além do gozo esporádico, se bem que confesso que tenho muito mais gosto
em dar gozo a um tripeiro. Também já vem da infância, porque sempre vivi
rodeado deles. Eu respeito o Sporting e gosto quando as coisas lhes
correm bem. Mas também gosto quando correm mal. De onde eu venho, nunca
existiram muitos Sportinguistas, até porque nos anos 90 eles andavam
muito escondidos por não ganharem nada, logo não desenvolvi muito a
minha prática de respeitar o Sporting por ser um grande clube, mas sim
por ser um clube mais pequeno que o Benfica que se destacava dos outros.
A partir do título do Inácio isso mudou, passei a ter mais respeito por
eles e a considerá-los, pela primeira vez desde que me conheço, como
uma equipa grande. Mas para mim, desde que nasci, o nosso rival é o Porto.
Sou convicto disso. O Derby com o Sporting é uma coisa mais lisboeta, ou
até mesmo aqui em Abrantes, mas em Famalicão era encarado como mais um
jogo.
Sim, no Centro e Sul a infância faz-nos mais rivais do Sporting do que
no Norte. Ser benfiquista no Norte é mesmo muito difícil ou a ideia de
que os portistas são, na sua generalidade, gente totalmente fanática é
fanatismo dos benfiquistas?
Ui... A maior parte dos portistas transfiguram-se quando falam de
futebol. No norte existem muitos benfiquistas, como se sabe, mas a
realidade é que a maior parte já passaram os 50 anos, e a minha geração,
de 80, assim como a de 90, está totalmente dominada pelo clube
tripeiro. Chegava ao ponto, como me recordo bem, da malta trocar de
clube, e não foram poucos, desde primos a colegas da escola, vi muitos a
mudarem do Sporting e do Benfica para o Porto. Foram tempos difíceis,
mas acho que o facto do Benfica ter ganho o título apoiado na boleia da
febre do Euro 2004, e a posição anti-seleção adoptada pelos portistas
mais extremos, acabou por contribuir para uma aproximação das crianças
ao nosso clube, invertendo essa situação. Infelizmente, esse boost já
passou, e agora a coisa tende a voltar ao período negro dos anos 90.
Mas, voltando aos Portistas, sempre tive muitos amigos tripeiros, e com
alguns dava-me muito bem. Com outros a coisa nem sempre corria bem, até
porque existiram situações, especialmente depois dos meus 18 anos, em
que eles se tornavam extremamente agressivos, chegando a insultar só
porque somos de outro clube, numa espécie de racismo. Geralmente sou uma
pessoa ponderada, e gosto de dizer as coisas como são, e até acho que
muitos benfiquistas exageram, especialmente no pavonear, mas ou obrigado
a admitir que a maior parte dos Portistas são brutos e fanáticos.
Recordo-me de um senhor que trabalhava comigo, com quem conseguia
conversar esporadicamente sobre todo o tipo de assuntos, mas quando o
assunto era futebol, ele chegava ao ponto de me insultar só de eu passar
perto dele. A mim e a qualquer benfiquistas, chefes inclusive. Nunca o
consegui compreender, e mesmo hoje não consigo, não consigo entender
esse fanatismo. Mas, como disse, tenho bons amigos Portistas, e um ou
outro com quem dá para falar de futebol sem começarmos à porrada.
Se, em vez de Pinto da Costa, o Porto tivesse sido gerido desde os anos
80 por portistas menos dementes e mais honestos podia haver uma
rivalidade diferente e mais bonita ou seria inevitável que o Porto,
crescendo, se tornasse num clube anti-Benfica?
Eu acho que Porto já estava destinado a ter uma série de vitórias,
porque já era um dos 3 grandes e ainda não tinha tido um período
dominante, e isso aconteceu depois de 94, quando o Benfica sofreu a
Bigodada daquele monte de merda, e o Sporting dormia à sombra da chegada
de Roquette, o primeiro salvador. Mas, sem Pinto da Costa, tenho a
certeza que o Porto não tinha ganho tanto, especialmente nos bastidores,
mas não nos podemos esquecer que o Porto teve dois períodos
fantásticos, com Jardel e Drulovic e depois com Mourinho, onde foram os
melhores. Quanto ao ódio que se criou ao Benfica, acho que isso é
inevitável para qualquer clube que comece a ter uma massa adepta sólida,
como aconteceu com o Porto nos anos 80, com o Sporting nos anos 60 e
com o Guimarães e Braga na década de 2000. Os maiores movem sempre
invejas e ódio, e só consigo pensar que é mesmo por esse motivo que leva
a que nos queiram ver a arder. Mas, honestamente, assumo uma postura
bastante católica na inveja deles, e estou-me pouco marimbando, não
tenho ponta de inveja dos campeonatos que o Porto tem ou as competições
europeias. E estou a ser honesto.
(A segunda parte sairá quando o entrevistador e o entrevistado tiverem tempo para isso)