segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Abençoado 4º Anel

A Sala de Convívio do 4º Anel é um lugar bonito. Não tem fronteiras porque não há paredes nem portas; é uma sala muito grande que vai daqui até ao infinito, de sedas nas janelas que não existem e nuvens nas mesas. Vemos os seus passeantes chegar de mansinho, parece que voam ou planam. Se houvesse fotografias e o mar dos céus não as tivesse inundado, veríamos o golo do Torres em voo rasante, o toque delicado e submerso do Julinho, o imperial cabeceamento do Águas, a fórmula mágica do Espírito Santo, a fuga desconcertante do Vítor Baptista. 

Todos agora aqui nesta mesa feita de cogumelos e almofadas. Sentamo-nos os seis. O meu Pai chegou e somos sete. Veio agora o Miklós e ficámos 8. Pomos as cartas na mesa, alguém as baralha - o Águas adora ser o croupier, acha que nós não sabemos os seus truques de bicampeão europeu. Cosme Damião traz-nos as bebidas, diz que não bebe, está cheio de sono e só apareceu para ser escrito nesta crónica. Todos nos levantamos, brindamos à sua memória, as cartas à espera no verde-nuvem da mesa-nuvem da sala-nuvem. Carregamo-lo às costas até à cama-nuvem e abandonamo-lo num sonho de moscatel.

De regresso à mesa, todos já olhando as cartas e o fumo dos cigarros escorrendo pelos átomos, um deles, o Torres, pergunta-me:

- E o Benfica, Ricardo? E o Benfica?

- Está muito calor aqui. Liguem a ventoinha. Julinho, avança.

O Julinho avança sobre a ventoinha, deixa um vento agradável na mesa e começamos a jogar. O Miklós dá demasiados sinais de não ter um bom jogo e antes que alguém o perceba decide mudar de foco, perguntando-me:

- Somos campeões, não somos?

Peço à menina que nos traga mais uns uísques. Alguém há-de pagar. A sala sem música, só o ruído bom das vozes e dos risos irónicos dos jogadores. Alguns fumam charutos, outros esperam pelas bebidas. Há ali qualquer coisa muito para além, muito indecifrável, pode ser que sejam as nuvens. O Vítor Baptista tem uma cabeleira loira na cabeça, dois olhos de estrondosos acidentes, as mãos aos desatinos, chupando-lhes as unhas. Diz:

- Agora, enquanto jogamos, o Benfica está a dar 5 ao Sporting. Não é, Ricardo?

- Falta a esta mesa amendoins, tremoços e um chouriço assado. Espírito Santo, faz qualquer coisa, pá. Vai buscar a assadeira.

O jogo decorre sem problemas de maior. O Julinho continua a ganhar e a deixar adversários pelo relvado. Neste momento só eu, o Julinho e o meu Pai ainda jogamos nesta varanda milenar e astronómica de estarmos todos sobre o universo, esplanada em cima da existência, barraca-foguete pelo caos das estrelas. O meu Pai:

- O Benfica anda a ser bem cuidado?

Perdi o jogo. Falhei na sequência das cartas. Despedi-me deles e voltei ao mundo dos abaixo do 4º anel. Eles lá não sabem. Eles lá são felizes. 


4 comentários:

luís disse...

parabéns por mais um excelente texto!
a forma magnífica como escreves sobre o Benfica já merece algo melhor que o blogger. :)
abraço!

luis disse...

A forma como tu pensas o Benfica será de difícil compreensão para os mais novos. Tu recuas no tempo, para mostrar as diferenças que o tempo faz.
Esta paixão que tu representas com tanto carinho e respeito seria contrariada noutro tempo. Tu vais imaginar o Victor Baptista de cabeleira loira...O maior guerreiro fosse qual fosse o 11, num campo de futebol. Quando perdeu o brinco, o Portugal desportivo daquele tempo ficou perplexo. Neste tempo o Julinho passava com o Victor Baptista por uma passadeira a caminho da Nova Luz, despercebidos, ao perguntarem o caminho o que sentiriam???

-O Victor não estranhou tanta Luz da inveja, mas o Julinho ficou encadeado e perdeu-se pelo amor a uma camisola Vermelha de uma montra deste tempo.

A riqueza dos teus textos tem a força dos que estão para lá das nuvens. Fazem este imbecil do luis acreditar que a paixão pelo Verdadeiro Benfica não morre.
Não é que seja contra os estrangeiros de qualidade... Mas quantos jogadores permanecem do tempo do Miklós...o plantel tinha mais Portugueses. Daquele dia trágico aos olhos de todos veio uma força, que na opinião do imbecil do luis, foi a que levou a conquista da taça contra os tripeiros do mou.
Tu, Ricardo "pau e bola" transformas essa força diariamente, transportas o Benfica todo o tempo.
Só por isso adorava jogar as cartas contigo, lá no 4º anel, porque teremos que ter algumas diferenças de opiniões,mas esta paixão o imbecil do luis quer manter.

Obrigada companheiro Lampião!!!

...tempo.

Anónimo disse...

A azia transformou-se em depressão?

Cuidado pois para sair delas às vezes nem com "et pluribus unum".

Fernando Tomás

Anónimo disse...

O poeta ricardo já vai ao 4º anel. Amanhã deve ser a descida aos infernos tamanha é a bebedeira.

Fanzine